A Dona do Pedaço

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sábado, 16 de janeiro de 2016

O Despertar

Cap. 1
O Despertar


Num dia nublado, está para anoitecer quando o que parece uma pequena semente de dente-de-leão voa na onda da leve brisa corrente até uma rocha grande nas entranhas da floresta perto do templo de Tenjin. O floco branco para de repente, flutuando em frente a enorme montanha impetuosa, e os pequenos olhinhos visíveis nele observam a pedra tapando a entrada de uma caverna. Subitamente, uma luz cegante o rodeia.
A pequena alma toma sua forma de carne, surgindo então uma linda garota. Ela se apoia no chão para tentar levantar, embora as pernas não queiram obedecer, então só dá para permanecer de joelhos. Desorientada, ela observa as próprias mãos e segura os seus castanhos cabelos medianos, passando os dedos na franja que alcança os olhos verdes. É estranho se sentir viva, mesmo sabendo que está morta. Sua morte está viva na mente.
Se isso não bastasse, suas vestes esfarrapadas provariam o fato. Mas como pode a sua pele parecer levemente rosada nestas circunstâncias? E este não pode ser o céu, nem mesmo o inferno. Ainda que o mundo inferior parecesse tão agradável, ela não possui qualquer recordação de ter sido má em vida, apenas ter lutado para sobreviver como foi obrigada desde cedo. Sendo assim, só existe uma explicação: ela é um fantasma.
Logo seus pensamentos são interrompidos por uma voz que os toma pra si. Dentro da sua cabeça, a voz feminina pede socorro.

“- Ajude-nos, nos liberte, e em troca nós a protegeremos de todo mal!”

Mesmo sem saber quem é a dona desta voz, ou a que mal ela se refere, a jovem já sente um bem estar somente por ouvir o tom acalentador soar como um sussurro em seu ouvido, portanto decide prestar bastante atenção.

“- Remova o lacre em frente à rocha e nos liberte!”

A garota consegue se levantar e anda até a grande pedra, percebendo que bem no centro dela há um papel com algum dizer escrito. Sua cabeça ainda está girando e assim não pode raciocinar direito, mas seus olhos captam a palavra “prisão” e algo mais. Basta esfrega-los algumas vezes e as letras ficam mais claras... “Prisão dos Deuses”, diz este papel. Então a mulher e mais alguém na caverna são deuses.

- Por que estão presos aí? Quem são vocês?
“- Somos Deuses da Fortuna!” – responde outra voz, uma masculina e harmoniosa – “E você? Quem é você?” – esta era a pergunta que a moça mais fizera em vida.
- O meu nome... – a garota pensa um pouco, encarando fixamente as mãos, uma de cada lado do lacre – O meu nome é... Acácia.
“- Pois bem, Acácia, nos liberte, por favor! Em troca, nós a abençoaremos!”
- Não acho que precise de bênçãos agora. Eu sou um fantasma.
“- Oh querida...” – a voz feminina fala novamente – “Você verá que precisará da nossa proteção mais do que imagina. Nenhuma alma está segura vagando sozinha. Faça-nos este favor e nos livre desta prisão, então a ajudaremos a seguir seu caminho!”.

“O que tenho a perder?”, Acácia pensa. Se já é um fantasma, sua alma está mais do que condenada de qualquer maneira. Se eles não forem Deuses da Fortuna, ou vão lhe devorar ou deixa-la a própria sorte, e sorteé algo que nunca teve. Concluindo isso, a jovem tira o papel da rocha com um puxão e outra luz forte cobre a pedra, forçando-a a desviar os olhos e correr para longe. A rajada de luz sobe até o céu, como um farol.
Perto dali, o deus da aprendizagem, Tenjin, é o primeiro a ver de seu templo este inesperado sinal. Ele interrompe sua escrita e larga os pincéis sobre a mesa na sala, indo para fora do templo. As Shinkis se reúnem perto dele com preocupação.

- Eu não acredito!... – o homem olha a cena, petrificado – Depois de tantos anos...
- Meu senhor, que luz é aquela? – sua mais antiga aliada questiona.
- Ah Tsuyu, se for o que eu estou pensando... – ele abre um grande sorriso – É o retorno de velhos amigos e a solução de todos os nossos problemas.
- Quer dizer... Eles?... – ela olha dele para o horizonte – O que devemos fazer?
- Convoque Yato e os seus amigos; mande uma mensagem para a casa de Kofuku! Chame também Bishamonten e sua regalia abençoada! Nós temos que visitar uns velhos amigos! – a alegria na risada do deus faz as mulheres ao redor se entreolharem confusas enquanto a rajada de luz diminui até sumir por completo.
- Tenjin-sama, espere! – Mayu pede erguendo a mão, mas seu mestre não para de andar de volta para o templo – Então será uma reunião apenas com os deuses e os seus Instrumentos Abençoados? – o homem confirma levantando o polegar.
- Sim. – ele se vira de repente, erguendo o indicador – Oh, mas a senhorita Hiyori também pode vir! Ela vai gostar de conhecer essas pessoas!
...
- Tenjin, é tarde! Por que convocou todo mundo a esta hora da noite?
- Não seja impaciente Yato! – o mais velho o repreende, como sempre segurando seu leque junto ao peito – Eu tinha expectativa em mostrar alguns amigos meus para os que estão aqui presentes, mas pelo visto eles já se foram.
- Ótimo, foi uma total perda de tempo! – o deus menor põe as mãos na cintura.
- Mas Tenjin, por que logo aqui? – Bishamon questiona fitando a floresta escura e, principalmente, a enorme rocha à sua frente.
- Por que foi aqui que eles reapareceram. Eu senti a presença deles: Preetish e sua esposa, Manisha. – Kofuku e Daikoku abrem as bocas, surpresos.
- Tem certeza? – a deusa pergunta ansiosa e com a confirmação de Tenjin ela salta de alegria – Por todos os deuses, eu nem acredito! Finalmente, eles voltaram! – Kofuku vibra abraçando seu Shinki pelo pescoço – Depois de tantas centenas de anos sumidos!
- Quem voltou? De quem estão falando? – Yukine ergue uma sobrancelha.
- Ah, Preetish e Manisha são dois maravilhosos Deuses da Fortuna. – Tsuyu conta – Há muitos anos, os dois dominavam uma região dentro duma floresta conhecida como Floresta das Almas, e o seu templo era no topo de árvores gigantes, cercado por flores.
- Nossa, parece um sonho! – Hiyori sorri com os olhos brilhando – Onde ele fica?
- Ninguém sabe. Nenhum deus, Shinki ou mesmo um humano viu o templo. – ao ouvir isso, Yato fica mais atento à conversa e descruza os braços.
- Ué, então como é que eles conseguiram manter o seu cargo? Deuses precisam de seguidores, não é?! Ninguém ia orar no templo deles?!
- Acontece, Hiyori-chan, que eles nunca precisaram de pessoas orando dentro do seu templo para poderem manter a sua força. – Tenjin relata sorrindo – Preetish é o deus do amor e Manisha a deusa da mente e do desejo. Ele orientava os humanos, deuses e os Shinkis até com seus relacionamentos amorosos, enquanto que Manisha tinha a peculiar característica de despertar em qualquer um as suas vontades reprimidas apenas por sua presença. Diante deles, ninguém conseguia esconder seus sentimentos, suas emoções, e menos ainda fugir disso. Todos se rendiam aos seus encantos. Para continuarem a viver, só bastava que as pessoas acreditassem no amor, na paixão e lutassem por seus sonhos, e isso não chega a ser tão difícil. Assim, todos sempre lembram os seus nomes.
- Os dois se amavam muito, e isso era notável. – a sua companheira prossegue – E eles também tentavam unir muitas pessoas; formavam casais constantemente.
- Verdade? – Yato abre um grande sorriso, olhando de soslaio para Hiyori.
- Sim. – o espírito de ameixeira segura uma risada ao perceber isso – Para eles não importava quem fosse o ser vivo, todos mereciam amar e serem amados. Por isso é que mantinham distância de qualquer um e se escondiam no templo a maior parte do tempo. – a maior parte dos membros do pequeno grupo se entreolha confuso, então o deus da aprendizagem toma a frente, suspirando e fechando seu leque.
- Preetish e Manisha não eram vistos com bons olhos pelos Deuses do Céu. Vocês não sabem disso, – ele olha para Bishamonten, Kazuma, Yato, Yukine e Hiyori – mas a maioria dos deuses, Shinkis e humanos admiravam muito aqueles dois. Na presença do casal, parecia que nenhuma regra, nenhuma ordem, do Céu importava. Todos podiam se relacionar como bem quisessem, extrapolando os limites que foram criados.
- Que tipo de limites? – Hiyori franze o cenho.
- Humanos convivendo constantemente com deuses, por exemplo. – Tenjin aponta com o leque para ela, fazendo-a engolir e dar um passo pra trás – Oh, não se preocupe Hiyori-chan, você está assegurada por enquanto! Na verdade, acho que se conseguir dar uma palavrinha com Preetish e Manisha, eles podem conseguir protegê-la do Céu.
- Se eles são tão poderosos e influentes assim, como sumiram sem deixar vestígios de uma hora para outra? – Kazuma questiona.
- Eu suspeito que tenha sido coisa daquele Takemikazuchi. – o deus responde em voz mais baixa – Provavelmente deve ter ficado com inveja da fama dos dois. Eles eram o casal mais popular entre os deuses, mesmo sem ter visitantes no seu templo, mas não se importavam com a competição pela colocação no ranking. Estavam sempre cercados por espíritos da natureza, nunca precisaram lutar contra Ayakashis usando armas divinas e todos os respeitavam, ainda que nem sequer aparecessem com frequência nas reuniões programadas. Se não foi ele pode ter sido outro deus, mas o fato é que o casal sumiu de uma maneira tão repentina que assustou todo mundo.
- Ninguém mais ousou falar deles, e com o tempo os humanos começaram a achar que não vale mais a pena lutar por seus sonhos ou por amor. – Tsuyu comenta – Agora estão enfraquecidos de espírito. Talvez seja por isso que eles tenham despertado. – ela se aproxima da caverna exposta – Tenjin-sama, os dois estavam lacrados.
- Sim... Não sei quem fez isso, nem a mando de quem, ou se agiu sozinho, mas o que importa agora é encontra-los. Provavelmente voltaram para seu templo. Se for esse o caso, levará semanas até acha-los dentro da Floresta das Almas.
- Se é um lugar muito grande, nós podemos ajudar a procurar. – Hiyori logo se candidata, agarrando Yato e Yukine, cada um por um braço – Eles podem estar bastante desorientados depois de tanto tempo dormindo, sem contar que quem os selou pode até já estar sabendo que conseguiram se soltar! Nós precisamos ajuda-los!
- Eu agradeço seu ímpeto, Hiyori-chan, mas a Floresta das Almas é um lugar bem perigoso. Você não conseguirá ficar a salvo, mesmo tendo alguma habilidade para lutar.
- Ora Tenjin, vamos lá, confie mais na Hiyorin! – Kofuku a abraça, fazendo uma careta pra ele – Além disso, serão quatro deuses e, se você concordar com isso também, mais quatro Shinkis procurando lá com ela! Nós podemos tomar conta da Hiyori-chan!
- “Nós”? – o deus da aprendizagem dá um passo para trás – Oh não, não tem nenhum “nós” aqui! Eu não estava me oferecendo para entrar naquela floresta.
- Você não vai? Mas por quê? São nossos amigos!
- Eu sei bem disso, e é por essa razão que não pretendo encontra-los tão cedo. As minhas últimas atitudes podem não ser vistas com bons olhos pelos dois.
- A quê o senhor se refere especificamente? – Daikoku indaga.
- Bem... – o homem encara sua silenciosa companheira, suspirando e se voltando ao público – Preetish e Manisha desaprovavam muitas coisas criadas pelos deuses, tal como algumas regras e as competições de popularidade, por exemplo.
- Ah, finalmente você vai pagar o preço por ter jogado na minha cara que eu não sou um deus popular! – Yato gargalha até receber uma espalmada na cabeça de Yukine.
- Bem, se essa é toda a história, eles não devem ficar fora de cena por tanto tempo. Se não aparecerem por conta própria, alguém vai descobrir que eles se libertaram do seu sono centenário. – Bishamon troca o peso para a outra perna, cruzando os braços abaixo do peito – Eu não os conheci, então não sei dizer ao certo, mas eles são muito fortes?!
- Demais! – Tenjin afirma com seriedade – Talvez mais do que os Deuses do Céu.
- Então nós vamos procura-los. – ela sorri maliciosamente determinada – E vamos descobrir por que eles despertaram depois de tanto tempo.
- É mesmo... – a regalia loira põe uma mão no queixo – O que deve ter acordado eles? Ou quem...? Se os dois são tão poderosos assim, deve ter sido algo ou alguém com ainda mais força que seu selador. – o mero pensamento o assusta, e também aos outros.
- Bom, não vai adiantar ficar nos preocupando com isso agora! – Yato coloca as mãos atrás da cabeça, procurando parecer pouco interessado no rumo da conversa – Se todos estiverem de acordo, nós podemos começar as buscas pelo templo deles amanhã.
- Por mim tudo bem. – Kofuku concorda levantando a mão direita – Eu ainda me lembro do caminho para a Floresta das Almas. Posso levar todo mundo até lá.
- Então nós iremos. – Bishamonten confirma por Kazuma também – Tenjin?
- Ah... E-Eu... – o deus gagueja, porém, vendo que todos o encaram desafiadores e esperançosos, ele se rende com um suspiro – Certo. Tsuyu irá comigo.
- Eu? – ela não nega a surpresa – Mas meu senhor, eu não sou uma regalia.
- Mas se fosse, ainda seria a minha primeira opção. – a súbita resposta e o sorriso dele fazem-na corar, e por um instante eles parecem esquecer a plateia – Eu considero a sua opinião e a sua companhia, Tsuyu. Confio em você e quero que esteja presente ao meu lado quando encontrarmos Preetish e Manisha, como certamente acontecerá. Assim me sentirei bem mais confiante e tranquilo.
- Ce-Certo... – a mulher tapa a boca na tentativa de esconder o sorriso que brota na sua face, formando um clima que dura uns segundos.
- Então... – Yukine tosse para disfarçar o seu próprio constrangimento – Por que o senhor tem tanta certeza que nós os encontraremos?
- Porque eles mesmos devem nos mostrar o caminho para seu templo.
- Se eles farão isso de qualquer forma, por que temos que nos dar ao trabalho de procurar por eles? – Yato brada já nervoso.
- É evidente que devem ter seus motivos, Yato-sama. – Kazuma diz sério, subindo os óculos para cima com um dedo enquanto apoia o cotovelo na outra mão – Se os dois acordaram há pouco, seja quem os tiver selado deve tentar localizar o seu templo nesses primeiros dias. Alguém poderoso o bastante para tê-los aprisionado, considerando que o nível de força deles pode ser superior ao do Céu, não teria problema em nos seguir por semanas, até os contatarmos. Eles devem dar o primeiro passo ao se sentirem seguros.
- Kazuma-san tem razão. – Hiyori sorri – Com cautela, amanhã procuramos eles.

Continua...

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