A Dona do Pedaço

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domingo, 21 de fevereiro de 2016

A Trilha

Cap. 2
A Trilha


É a manhã de um novo dia. Yato e seu grupo de amigos estão em busca do templo de Preetish e Manisha há quase um mês e ainda não encontraram nada, mas com a sua determinação ainda intacta eles marcham (ou quase voam) de salto em salto até o amplo refúgio onde se escondem: a Floresta das Almas. A densa região se encontra distante da cidade, no topo de uma imensa montanha de onde a água da nascente cai em cachoeira.
Ao chegarem lá, todos retomam suas buscas se dividindo, como de costume. Fora os poucos animais que habitam a floresta, nenhuma única alma é avistada. Quando eles passam perto destes bichos, são observados atentamente. Os deuses do amor e da mente e do desejo estão sempre cercados por espíritos da natureza, então não é novidade que a própria natureza esteja de olhos abertos para qualquer possível intruso.
Algumas árvores se agarram sobre pedras escuras, estendendo as raízes até a água purificada, e todas estão tão juntas que tapam quase completamente a luz do sol. O curto silêncio na maior parte do tempo deixa o clima tenebroso. As duplas andam bem perto, excerto pelo trio formado por Yato, Hiyori e Yukine, pois os dois primeiros ficam muito coladosà regalia, embora nada realmente terrível tenha se manifestado.

- AH! – o assustado deus grita – O que foi isso?
- Foi um galho. – o Shinki suspira, caminhando mais a frente com a moça.
- AH! E agora? – o loiro se vira com uma careta e as mãos na jaqueta.
- É só uma pedra! – ele bufa e os três voltam a andar mais um pouco.
- Ah...! – Yato se arrepia e geme – Tem uma aranha nas minhas costas!
- Ai! – Yukine dá meia volta batendo os pés com força – Você quer parar?! Deve ser só uma folha! Vira de costas! – seu parceiro obedece, mas de fato tem uma aranha escalando suas costas, então o rapaz bate no animal e o faz voar longe, rindo sem graça – Viu? Era só uma folhinha. Vamos! – eles recomeçam a caminhar enquanto Hiyori faz o possível para reprimir a vontade de rir.
- Estamos andando nessa selva há horas! Quando esses deuses vão dar as caras?
- Precisa ter paciência, Yato. Eles ainda podem estar sendo observados por quem os aprisionou, assim como nós.
- Hiyori, as únicas criaturas que estão olhando pra gente desde que chegamos são esses bichos, e eles também já estão me dando nos nervos!
- Você se irrita com tudo, e também é muito medroso, seu cagão!
- Como é? Yukine, não pode falar com seu mestre deste jeito!
- Não tenho culpa de você ser... – de repente uma luz amarela chama sua atenção.

A regalia paralisa, vendo o que parece uma borboleta irradiando energia flutuar a alguns metros de distância na sua frente. Quando seus amigos a percebem também, ela voa para a esquerda, deixando para trás um rastro iluminado, como se fosse uma nuvem de poeira amarelada. Yukine corre atrás dela, então os outros dois o seguem até perdê-lo de vista. A borboleta continua o levando até uma clareira e então desaparece.
Assim que o loiro chega ao local e não a encontra mais fica frustrado, pensando ter perdido a guia de vista, contudo sua atenção logo se volta para o lago em frente. Um conjunto de flores de lótus boia na superfície de tom esverdeado, reflexo das folhas das árvores. Vários nishikigoisnadam tranquilamente ao redor ou por debaixo delas. Ele vê que muitas das carpas estão aglomeradas do outro lado da margem e se aproxima.
Espremendo os olhos, numa tentativa de enxergar melhor, nota uma delas perto de um amontoado de pedras e decide se abaixar. Escondida entre a folhagem que forma um arco na beira do lago, uma linda garota brinca com o peixinho ornamental, pondo o seu indicador esquerdo na água para ele beijar. A estranha com cabelos castanhos medianos e belos olhos verdes, quase escondidos pela franja, está deitada e distraída.
Seu braço direito se mantem dobrado, tapando sua boca e impedindo que alguns fios se molhem. Seu vestido azul claro tem tom salmão no busto e um grande laço da mesma cor nas costas. A pele branca ganha tonalidade rosada em algumas áreas. É meio difícil perceber todos os detalhes claramente pela escuridão do outro lado, mas Yukine consegue sentir a profundidade do mistério dela através dos orbes brilhantes.

- Ei! – ele a chama ainda agachado, e por um momento a garota o encara, então na sequência se levanta assustada e sai correndo – Ei, espera aí! Quem é você?

O rapaz tenta seguir a desconhecida, todavia os peixes se reúnem na frente dele e formam uma barreira, como se protegessem a amiga. E talvez possa ser isso. Logo Yato e Hiyori o alcançam, parando para recuperar o fôlego, e as carpas se afastam.

- Yukine, poxa, você saiu correndo do nada e a gente ainda te perdeu!
- Você está bem? – a moça se aproxima, observando o lago – O que aconteceu?
- Eu segui aquela borboleta até aqui e encontrei uma menina.
- “Menina”? – o deus levanta uma sobrancelha – Que menina?
- Eu não sei. Ela estava aqui um minuto atrás e aí desapareceu.
- Como assim? Ela simplesmente sumiu? Garotas não desaparecem assim! Pelo menos não que eu saiba. Você consegue fazer isso Hiyori?
- Claro que não, idiota! Como era essa garota, Yukine-kun?
- Era bonita. Tinha cabelo castanho, olhos verdes e... Acho que tinha minha idade.
- Uh, será que não era só a sua imaginação? Olha só, se quiser uma namorada...
- Não é nada disso! – o Shinki retira o braço do mestre do seu pescoço – Eu não estava imaginando nada! Ela realmente estava aqui!
- Então pra onde ela foi? Aqui é a Floresta das Almas, ela podia ser só um espírito da natureza, como quase todos que moram neste lugar.
- Eu não sei, mas estou falando a verdade!
- Tudo bem Yukine-kun, acreditamos em você. Vamos contar pros outros.

Quando o grupo se reencontra, Yukine relata o que viu, mas a maioria concorda que a jovem deve ser mesmo apenas um espírito da floresta. Assim, ao entardecer, dão a busca por encerrada e vão embora. Alguns dias depois, quando finalmente completam o seu mês de caçada pelos deuses da fortuna desaparecidos, Tsuyu avista luzes amarelas a alguns metros de distância onde está com Tenjin. Ele contata os outros para os acharem.
As borboletas ficam quietas no mesmo canto até todos estarem reunidos, só então voando numa fila sobre o rio que corre entre as árvores até a margem oposta, entrando em uma trilha de areia escorregadia e sombreada por uma névoa repentina. Elas param, esperando todos as seguirem, aí a regalia loira sorri confiante.

- Viram?! Eu disse que não estava imaginando coisas!
- Bem, pela garota que você descreveu, não pode ser Manisha. Eu me lembro dela. – o deus da aprendizagem afirma – Essas borboletas podem nos levar até o templo.
- E como sabe que elas estão a serviço dessa deusa? – Bishamonten questiona.
- As borboletas eram os espíritos da natureza mais comuns de serem vistos ao lado dela e do Preetish, Bisha. – Kofuku diz animada – Eles vão nos deixar visita-los!
- Então o que estamos esperando? Vamos antes que mudem de ideia!
- Espera aí Yato! – Hiyori corre atrás dele e os outros em seguida.

A equipe segue o caminho e sobe com alguma dificuldade as partes íngremes. De repente o chão cede e todos caem num buraco profundo, um por cima do outro.

- O que diabo aconteceu? – Yato pergunta desnorteado, e quando todo mundo está de pé é que percebem a quantidade de passagens subterrâneas – Que bicho fez isso?
- Ali está a sua resposta. – Yukine aponta para um dos túneis, de onde despontam dois olhos ferozes, então o grupo corre na direção oposta e começa a ser perseguido.
- Que bicho é aquele? – Daikoku questiona carregando sua mestra por cima de um dos ombros – Parece uma toupeira gigante!
- Não é uma toupeira, é uma marmota! Acho que a acordamos da hibernação!
- E daí Kazuma? – o ex-deus da calamidade resmunga – Isso tudo é mau humor?
- Ela deve estar nervosa por invadirmos o seu território! Mas ela é grande demais e não se parece com um Ayakashi!
- Deve estar possuída! – Tsuyu avisa antes de desviarem para outro túnel.
- Como assim possuída? Tem um espírito maligno nela? – Hiyori indaga.
- Provavelmente! Aqui é a Floresta das Almas, então é bem possível que animais sejam possuídos por Ayakashis para usarem seus corpos!
- E como nós nos livramos desse animal? – Bishamon ofega nervosa.
- Primeiro temos que sair deste buraco! – Kazuma responde.
- AH, ESTÁ SE APROXIMANDO! – Kofuku esperneia nervosa e a turma acelera até, por fim, verem a luz no final do sinuoso túnel.

Quando saem o mais depressa possível, a marmota salta para fora e fica de pé. Os seus olhos estão vermelhos e o pelo preto. Logo aparecem mais alguns orbes na testa e o rabo ganha espinhos. O animal agita a cauda, tentando acertar alguém.

- Eu vou dar um jeito nesse bicho e botar ele pra dormir de novo!
- Não Bisha, não pode! – a deusa da pobreza alerta – Aqui os espíritos malignos têm mais força! Se forçar o Ayakashi a sair desse corpo, ele vai possuir outro ser vivo!
- E o que nós fazemos então? Dançamos com a marmota?

Yato de repente é soterrado pela areia enlameada que a marmota joga sobre ele e os outros vão ajuda-lo depressa enquanto Bishamonten e Kazuma distraem o inimigo. O espírito de ameixeira toma fôlego e fecha os olhos, fazendo círculos com os seus dedos médios e polegares e juntando as mãos. Tenjin nota que ela está tentando se comunicar com as árvores e faz de tudo para não deixar os ataques a atingirem.

- Meu senhor! – sua companheira o chama, segundos depois – Nós devemos levar a marmota até um local claro! Ela se assustará se vir sua própria sombra!
- Está bem! Bishamon, Kazuma, vocês ouviram isso?
- E como nós vamos conseguir luz nesta floresta fechada? – mal a deusa acaba de falar, as borboletas se agrupam e iluminam a marmota, que de fato se amedronta e tenta correr para a toca, mas é barrada por Kofuku e Daikoku – E agora?
- Nós temos que saber por que a marmota está tão nervosa! – Tsuyu grita – Se ela se acalmar, o Ayakashi sairá do corpo dela!
- E como vamos fazer isso? – o Shinki mais velho questiona.

Hiyori logo toma as rédeas da situação e entra na frente, devagar tentando tocar o bicho. Apesar dos protestos, ela continua avançando calmamente, olhando fixamente no fundo dos olhos do animal, até finalmente conseguir acariciar seu focinho. Ela continua assim por alguns segundos, sentindo um formigamento estranho na cabeça, e sorri.

- Ela não está com raiva, só assustada. As marmotas são muito sociáveis e esta se perdeu da família, por isso se sente sozinha. – a moça põe a outra mão na face dela bem quando Yato já conseguiu ser socorrido por Yukine – Tudo bem. Não precisa ficar com medo, não vamos te machucar. Nós te ajudaremos a achar sua casa.

Como num passe de mágica, a marmota se tranquiliza e fecha os olhos. De dentro dela sai uma nuvem de fumaça que toma a forma de um fantasma com mesma aparência e tenta atacar, mas antes disso o ex-deus da calamidade invoca Sekki e o elimina. Todos respiram aliviados. Nos braços de Hiyori aparece o pequeno animal em tamanho real.

- Aquilo foi incrível Hiyori! – ele elogia, deixando Yukine voltar à forma humana.
- Concordo! A Hiyorin foi demais! – a deusa da pobreza a abraça, olhando com malícia para Tenjin – E você achando que ela não daria conta.
- Bem... – o deus tosse e sorri – Você se saiu bem, Hiyori-chan.
- Obrigada. – a jovem cora, acariciando a marmota sonolenta.
- Mas como você conseguiu saber que ela estava nervosa por se sentir sozinha?
- Não sei Kazuma-san. Acho que foi instinto. De repente... Eu olhei nos olhos da marmota e descobri. Não consigo explicar.

Os demais se entreolham achando estranho, mas seus pensamentos cessam ao se aproximar um conjunto de marmotas. A desacordada nos braços de Hiyori desperta e se ajunta com as outras, fazendo os salvadores sorrirem. Quando elas somem de vista, as borboletas voltam a montar uma linha reta e conduzir os forasteiros. O grupo as segue pela trilha até avistarem o final. A claridade os força a piscarem algumas vezes.
Depois disso, todos ainda piscam mais um pouco tentando ter certeza do que estão vendo. A visão é simplesmente deslumbrante.

Continua...

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