A Dona do Pedaço

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sexta-feira, 11 de março de 2016

O Sonho

Oi pessoal! Bom, este capítulo ficou um pouco maior do que eu esperava, e provavelmente o próximo também ficará, mas acredito que não seja um problema, certo?! Aproveitem!

Cap. 8
O Sonho


Já se passaram três dias desde o desaparecimento temporário de Acácia. As visitas dos amigos de Preetish e Manisha continuam frequentes, mas agora o grupo também se aproximou mais da afilhada do casal, especialmente Yukine. Ele constantemente lhe faz companhia, sempre procurando novidades para leva-las até ela, já que não pode sair da Floresta das Almas. Hiyori, por sua vez, tenta fazer qualquer coisa para esquecer Yato.
Não exatamente o deus, na verdade, pois mesmo que quisesse não poderia, até se algum inimigo tentasse apagar sua memória novamente. O ex-deus da calamidade está enraizado nas suas lembranças e no seu coração. Já admitiu isso para si mesma há muito tempo... E é este o problema. O que ela pretende esquecer é o beijo trocado com ele; por acidente, certo, mas ainda assim um beijo. Não importa para onde vá, isso a persegue.
A sensação dos lábios dele continua na sua boca, independente do quanto tenha se esforçado para escovar os dentes, passar brilho labial, comer coisas amargas e até uma ou outra fruta azeda. Não é algo ruim, pelo contrário! A questão é que se a relação deles não pode dar certo, ficar relembrando um momento tão bom entre os dois, ainda mais na condição do próprio rapaz nem se recordar da situação, é completamente frustrante!
Graças a essa circunstância, muitas perguntas têm pairado na mente de Hiyori. Em outras ocasiões, Yato a protegeu, foi gentil consigo e tentou diverti-la quando se sentia mal. Aquele deslize pode ter sido um acidente de fato, tanto da boca quanto das mãos? E há o acréscimo inegável na história de que ele chamou seu nome em sonho! Aquilo só passou de um reflexo inconsciente por ouvir sua voz, ou realmente sonhava com ela?
Para tirar todas essas dúvidas, a meio Ayakashi resolveu conversar com Manisha hoje. Talvez Preetish também pudesse ajudar, mas no momento a moça quer entender a sua mente antes do coração. Depois do almoço, ela vai à casa de Kofuku e Daikoku pra chamar Yukine para irem ao templo, porém descobre que ele saiu com o seu mestre e o deus do amor, visando descobrir pistas sobre o misterioso inimigo à solta.
Não há como saber com certeza quem pode ter selado os Deuses da Fortuna sem investigar os próprios deuses, contudo chegar de mansinho e interrogar cada um como quem não quer nada demanda tempo. Sem a regalia loira, a jovem precisa pensar numa outra maneira de aparecer no lar do casal sem andar quilômetros. A marca dos deuses é um passe livre conveniente apenas quando o Shinki que a retém está por perto.
Sendo assim, aproveitando o fim de semana, Hiyori deixa o corpo em casa e parte direto para o templo de Tenjin. Felizmente qualquer deus ou deusa pode ter acesso aos templos de outros deuses, contanto que já o tenham visto. Ele concorda em leva-la e faz questão de levar Tsuyu como das outras vezes, o que não a incomoda e nem às outras Shinkis. Por sorte a dona da casa está presente quando chegam.
Enquanto a senhorita pede um instante de diálogo com Manisha, os outros jogam damas com Acácia na varanda. As duas se dirigem à sala de estar e se acomodam.

- O templo está impecável! Parece cada vez mais bonito sempre que venho aqui!
- Obrigada Hiyori, mas o crédito vai quase todo para os espíritos da floresta. – as duas riem – Acácia gosta de ajudar as borboletas de vez em quando, para se distrair.
- A propósito, por que todas as borboletas daqui são azuis?
- Bom, lembra-se do que eu já disse sobre tudo ter um significado profundo? Isso funciona com as cores também. Azul representa serenidade. Aqui na Floresta das Almas os espíritos estão quase sempre calmos.
- Que bom. – a moça desvia o olhar e a deusa levanta uma sobrancelha.
- Você não veio até aqui, pedir para conversar comigo, por causa das borboletas, certo?! Que assunto deseja discutir comigo?
- Bem... É sobre o que aconteceu há alguns dias. Entre mim e o Yato.
- Oh... Hiyori, eu sei que quer, muito além de qualquer coisa, ficar junto do Yato. Não é?! – a ouvinte engole e vira o rosto, logo a observando de novo com o rosto rubro.
- Como pode saber de uma coisa da qual nem eu mesma tenho certeza?
- Eu sou Manisha, a deusa da mente e do desejo. Não tenho este nome à toa!
- Claro... – elas riem outra vez – Não é difícil ser casada com o deus do amor?
- Não porque nós conciliamos nossos desejos. Assim resistimos às tentações dos reinos moral e mental. Ele me completa, e eu a ele. Não é assim que se sente com Yato?
- Sim. – Hiyori sorri convicta, despertando igual sorriso amável em Manisha – É até engraçada a nossa história. Ninguém achava até agora que poderíamos ficar juntos, nem mesmo Kofuku-san, quem mais torce por nós. Eu realmente quero ficar ao lado do Yato para sempre, mas pelo que todos dizem não conseguia ter tanta convicção de poder desejar isso. Agora tenho mais certeza do que nunca. Acho que só precisava desabafar.
- Fico feliz em poder ajudar... E quem dizia que não poderiam ficar juntos?
- Todo mundo mesmo! Pelo menos todos que notam o quanto somos próximos... Tenjin-sama disse isso algumas vezes, mas eu me recusei a ouvir.
- Ele disse? – a deusa contrai o semblante, fitando um ponto do cômodo enquanto pensa, e logo se volta à jovem – Minha querida, não ligue para o que as outras pessoas possam dizer ou já tenham dito sobre vocês. Se quiser algo, deve lutar para conquistar. Se quiser ficar com Yato, fique com o Yato. Estou certa de que ele ficará feliz de saber sua decisão quando decidir contar, a qualquer hora.
- Espere, isso quer dizer que ele gosta de mim também? Pode me dizer se é isso?
- Bem... Poder eu posso, mas sei que não devo. Desculpe-me querida, não quero me envolver neste relacionamento de vocês além do necessário, e com “necessário” eu quero dizer nada além da sua autorização.
- Mas eu estou te autorizando a me dizer se o Yato gosta ou não de mim! Gosta?
- Hiyori, eu sei que seria mais fácil se todos pudessem ter na hora as respostas de todas as suas perguntas, contudo, assim seria bastante complicado diferenciar as pessoas fracas das mais valorosas. Não desejo tirar a sua coragem de se confessar por deixar que minha boca me ultrapasse de novo, e acredite: isso é muito comum da minha parte! – a conselheira sorri divertida e a ouvinte suspira resignada.
- Então, em poucas palavras, ele não gosta de mim?!
- Eu não disse que sim ou não. Pela última vez criança, apenas deixe fluir! Verá o quanto sua determinação te fará seguir mais longe antes que perceba.
- Sim... Obrigada Manisha-sama! – ela se curva e sai correndo contente.

A meio Ayakashi convida Acácia para brincarem de perseguir as borboletas pelos arredores, um dos únicos passatempos permitidos pelo padrinho e a madrinha da garota. A anfitriã do lar espera até que as duas sumam de vista, acenando na corrida, então seu olhar se volta a Tenjin e o cenho franze num piscar.

- Tenjin! – o deus da aprendizagem se arrepia ao sentir o tom de voz sério nela e se vira devagar, sorrindo um tanto receoso.
- Sim Manisha? – ela contrai um pouco mais o semblante, separando as mãos.
- Venha comigo. Quero falar com você a sós. – ele toma fôlego e deixa seu leque com Tsuyu, seguindo-a pelos corredores até o recanto de meditação do templo, o que se parece com um coreto isolado a oeste da clareira, no final de uma ponte de madeira sem cordas – Sente-se. – o homem obedece e se acomoda de joelhos na almofada de frente para a dela – Tenjin, eu soube de uma coisa perturbadora sobre você.
- Ah é? – as suas mãos já começam a suar – E o que é?
- Nada muito grave, a menos que isso chegasse aos ouvidos de Preetish, mas acho que posso contornar a situação se fizer você perceber a magnitude de suas palavras. Elas tiveram um grande peso sobre Yato e Hiyori. Acredito que saiba do que estou falando.
- É... Seria sobre cortar os laços entre eles?
- Oh, então você sugeriu a ele que fizesse isso? – Manisha eleva mais sua cabeça, fazendo-o engolir a seco de nervosismo excessivo e aborrecimento consigo mesmo pelo deslize – Na verdade, eu soube que disse aos dois a sua opinião sobre não poderem ficar juntos. Mas você chegou mesmo a dizer que Yato devia cortar seus laços com Hiyori? – Tenjin abaixa a cabeça, fazendo-a suspirar – Oh Tenjin... O que houve com você?
- Eu precisei insistir nisso! Hiyori corre muito perigo por estar entre nós, e você também deveria saber disso Manisha!
- Eu sei bem, não me julgue por tola! – ele se cala novamente, desviando o olhar pra baixo, então a deusa toma fôlego e suaviza a voz – Tenjin, meu amigo, você mudou muito. Quando nos conhecemos, a cada passo estava evoluindo da pessoa que era para alguém melhor. Quando deixou de acreditar no amor? Se Hiyori não quis se afastar de Yato, mesmo com tanto perigo, isso já serviria de prova para mostrar a força da relação deles! E por que não tentou se aproximar de Tsuyu? Sabe que ela o ama. – o deus ergue o rosto sem saber como responder – Passou todo esse tempo se afastando do que queria, deixando o seu espírito envelhecer e perturbando a mente dos jovens?! Por que fez isso?
- Eu... Não sabia o que fazer sem seus conselhos, Manisha. Sem você ou Preetish, muitos deuses ficaram completamente desorientados! Não somos fortes o bastante para lidar com os Deuses do Céu, e de uns tempos para cá eu venho percebendo mudanças realmente estranhas nos membros da elite.
- Que tipo de mudanças? São físicas ou comportamentais?
- É que as atitudes dos deuses parecem ter ficado mais traiçoeiras. Antes eu estava até certo que Takemikazuchi era responsável pelo aprisionamento de vocês, mas agora penso haver outra pessoa envolvida nisso. Alguém entre eles pode estar influenciando suas atitudes. É apenas uma hipótese, admito.
- Bem, eu soube por Kofuku o que aconteceu de mais importante durante a nossa ausência. Eles deram pena de morte a muitos. De fato penso que devam estar loucos e pretendo ir a fundo nisso... Mesmo assim, seu receio pela reação deles não justifica suas atitudes, Tenjin. Você passou dos limites, não adianta negar!
- Eu sei disso, me desculpe. Só não tive coragem suficiente de fazer ou dizer o que queria muitas vezes, então me precipitei.
- Pois agora se muna com esta coragem. – ela toca seu ombro direito e logo a sua mão começa a brilhar – Defenda os seus, Tenjin, assim como defendem você. Valorize quem te preza, pois nunca sabemos com certeza o dia de amanhã. Diga o que sente de verdade, lute por sua felicidade e pela de seus irmãos de coração. Aprenda com os erros dos outros, mas acima de tudo com os seus, para fazer o certo, ainda que não seja o mais fácil, e ensinar aos demais o caminho da dignidade e do bem estar. – Manisha se afasta e levanta – Eu posso até morrer lutando contra aqueles que tentarem ferir quem amo, mas não cairei facilmente! Tenho a determinação de viver para as pessoas que amo e retribuem meu amor! Quem não a tem só se agarra à vida pelo medo da morte. Essa é uma das coisas que aprendi com Preetish.

É a vez de Tenjin ficar sério. Tendo absorvido as palavras, ele levanta e a fita bem determinado, um tanto ansioso esperando a resposta da próxima pergunta.

- E se matassem as pessoas que você ama? – para sua surpresa, após uns segundos a amiga sorri inabalável, juntando as mãos como de costume.
- Então eu saberia que também estaria a ponto de morrer, porque a única forma de eu desistir de respirar é se perder a minha razão de viver, e não tenho apenas Preetish. Eu amo todas as pessoas que são minhas amigas, amo todos os espíritos desta floresta, amo Acácia! Eu lutaria por cada um deles, sem pestanejar! Enquanto viver alguém para quem nós possamos dar nosso amor, vale à pena lutar para ficar ao lado delas mais um pouquinho... Mesmo se for contra o próprio Criador. Por certo ele entende. Você não?

O deus da aprendizagem não consegue dizer nada, e com um último sorriso a deusa da mente e do desejo sai dali antes dele. Neste momento, Yato, Yukine e Preetish chegam à clareira. Hiyori e Acácia param de perseguir as borboletas ao verem os três e a anfitriã vai recepcionar seu companheiro e os recentes convidados.

- Ah, Yukine-kun! – a alma errante o chama e ele, já com um enorme sorriso no rosto, corre na sua direção também enquanto os deuses caminham devagar, vendo graça na festa pela reunião tão simples – Oi!
- Oi. – o loiro enrubesce um pouco – Eu trouxe outro caderno de desenho.
- Obrigada! – a garota o toma em mãos – Eu terminei o primeiro que você me deu.
- Verdade? E eu posso ver? – a jovem pondera, passeando com os olhos pela área.
- Quem sabe um dia. – o garoto faz uma careta marota.
- Eu quero ver agora! – os dois riem e correm na direção do quarto dela.
- Eles não são uma graça, Preetish? – Manisha observa encantada, com uma mão sobre a bochecha e cutucando o ombro do marido para ver o encontro igualmente alegre do outro casal conversando trivialidades, então o homem ri.
- Sim, os quatro. – diz juntando as mãos debaixo das longas mangas do quimono – Talvez nós possamos esperar coisas incríveis deles.

Enquanto isso, a dupla mais nova sobe as escadarias enormes e chega ao destino. Como sempre, a regalia alcança o topo tomando fôlego. A dona do aposento ri, tirando da gaveta da escrivaninha seu antigo caderno e sentando no chão. O amigo a acompanha e tenta pegá-lo, mas ela o levanta para longe das suas mãos.

- Eu te deixo ver, só não tire sarro de mim! Meus desenhos não são tão bons.
- Ok. – todavia, quando o Shinki folheia as primeiras páginas suas pupilas dilatam de surpresa – Do que está falando? Seus desenhos são muito bons!
- Mentira. – o rapaz balança a cabeça em negação para confirmar sua afirmação.
- Não, é verdade! – ele vê sorrindo as imagens coloridas da paisagem da Floresta das Almas – Os meus é que não são bons. Na verdade não chegam nem perto dos seus!
- Você trouxe seu caderno? Eu gostaria de ver. – Yukine coloca a mão na bolsa.
- Não! – nega um tanto assustado e rubro – Vamos fazer outra coisa. Quer jogar?
- Já joguei. Não é justo... Agora eu quero ver seus desenhos! Eu mostrei os meus!
- Tá bom, mas também não pode rir. – ela concorda e o espera entregá-lo, sorrindo com mais encanto vendo os rabiscos pintados de si mesmo e dos amigos, além de locais do lado de fora – Eu disse que eram ruins. – o loiro passa a mão na cabeça.
- São fofos. – a risada feminina, parecida com a de uma criança travessa, o deixa hipnotizado por uns segundos, então Acácia chega numa folha onde ele, Yato e Hiyori aparecem rindo e de mãos dadas, ou quase.
- Ah, isso...! – as suas bochechas ficam quentes – Eu não queria que visse isso.
- Por quê? – a pergunta sai um pouco fria, mas a regalia não nota.
- Porque isso... É constrangedor... Quer dizer, estou falando dos desenhos, não do que eles representam...! – declara coçando a cabeça.

Os olhos verdes dela tremulam. Seu sonho estava certo. Em todos os sentidos...

- Acácia! – os dois escutam uma voz a chamando e olham para a entrada, vendo uma borboleta azul flutuando – Preetish-sama está te chamando.
- Ok. – a jovem devolve o caderno ao Shinki e sorri – Espero um dia também me tornar uma grande amiga pra você.

Antes de ele poder responder, ela se levanta e sai na frente, andando bem rápido. O garoto olha de novo a imagem pintada e suspira. Com certeza o simples significado dela foi demais para uma garota solitária como a alma errante. Neste momento seu peito se enche de determinação para encontrar uma solução que resolva o problema da moça de se relacionar com os outros. Quanto antes puder vê-la sorrir aliviada, melhor.
...
No terceiro quarto do corredor à direita da entrada do templo, uma cena familiar se repete entre Yato e Hiyori. A semelhança do quadro só é quebrada porque desta vez a moça está com uma camisa diferente por debaixo da segunda e numa posição diferente ao lado dele. Mais precisamente, deitada na mesma cama. O deus adormeceu de cansaço como acontecera naquele dia, porém a meio Ayakashi não recuou hoje.
A jovem foi corajosa o suficiente para ter a ousadia de se acomodar junto do seu amado, encolhida na sua frente, e fechou os olhos tentando esquecer o nervosismo e dar uma chance ao sono. Graças a isso, ela não percebe o gesto inconsciente dele de se virar pra direita, colocando um braço debaixo da cabeça e abarcando sua cintura com o outro. A situação poderia passar despercebida, mas há uma borboleta negra no aposento.

Continua...

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