quinta-feira, 3 de março de 2016
A Família
Cap. 5
A Família
Na sala de estar do templo de Preetish e Manisha, a conversa entre eles e o grupo de visitantes continua. O casal esclarece dúvidas dos novos conhecidos.
- Então você me ajudou a entender o que a marmota estava sentindo?
- Mais precisamente, você conseguiu ler a mente da marmota porque nossas belas borboletas iluminaram seus pensamentos. – a anfitriã esclarece – Através delas Preetish e eu podemos passar mensagens para quem quisermos.
- Que maravilhoso! – Hiyori sorri fascinada – Vocês podem ajudar todo mundo?
- Sim, nossos dons permitem isso, mas nem todos os deuses podem. – o deus do amor informa – Após ser decidido pelo Criador que você receberá um dom divino, além da sua longevidade, o seu poder surgirá especificamente para atender às preces de tipos determinados de pessoas. Isso também acontece com os Deuses da Calamidade, já que nem só de bons desejos as orações são feitas.
- Mas por que os Deuses da Calamidade existem se só trazem o mal?
- Yukine, eles devem nascer para castigar os seres vivos reencarnados com a alma corrompida. – a deusa da mente e do desejo diz ternamente, tal qual uma mãe ensinando ao filho – Aqueles que levaram com eles ressentimentos do passado, assim destinados a renascerem e passarem privações pelos caminhos do destino de uma vida miserável, só podem sofrer os castigos com a intervenção dos Deuses da Calamidade. Se mesmo após uma nova morte não puderem aceitar seus erros, o ciclo de fatalidade se repetirá até que aprendam. Como nenhuma divindade está imune às dores mundanas, esses carrascos também correm o risco de ceder à mesma escuridão a qual devem impor suas vítimas.
- Por isso o Criador, certamente, só impõe à prova aqueles que duvidaram de sua resistência às trevas. – seu marido completa – Se suportarem, estes poderão escolher o caminho a tomar para mudar seu destino. Que todos tomem como exemplo o deus Yato. – todos encaram o surpreso rapaz – Ele passou pelo teste, resistiu, e atualmente pode ser considerado o deus da fortuna de muitos, atendendo aos desejos de várias pessoas e até mesmo transformando as más intenções em boas orações.
- Ah... – Yato coloca a mão esquerda atrás da cabeça, rindo envergonhado e ao mesmo tempo cheio de si – Eu acho que não é pra tanto, que é isso!
- Mas você mesmo comentou das dificuldades que passou para sobreviver, e seus amigos confirmaram sua persistência para alcançar seu objetivo! Houve quem duvidou de você, como duvidou de si mesmo em alguns momentos... – ele torna a ficar pensativo ao ver o sorriso da deusa, sentindo um calor no peito similar ao choque de temperatura quando se abraça uma pessoa quente, estando o próprio corpo muito frio – Seu coração, entretanto, tornou-se mais forte. Indago-me quem haveria de causar tamanho incentivo em sua vida abençoada. – o jovem olha de soslaio para Hiyori, desviando os olhos com o rosto rubro assim que ela, curiosa, o encara, e os anfitriões se entreolham sorrindo.
- De qualquer forma, contanto que as divindades não se corrompam podem viver e renascer como Deuses da Fortuna e outros tipos tranquilamente. – Preetish conclui com os olhos fechados – Independente de serem lembrados por humanos...
- Isso é tranquilizador. – Daikoku encara a sorridente Kofuku e também sorri.
- Mas... – o ex-deus da calamidade franze o cenho – Deuses não podem fazer tudo que bem quiserem então... – os anfitriões o encaram seriamente.
- Não. – os dois falam em uníssono – Não podem. – a resposta bem imediata o faz encolher os ombros, lembrando as coisas ruins que já fez, e notando sua inquietação a única humana no recinto abre um sorriso constrangido para desviar a atenção geral.
- Eu nunca ouvi uma analogia tão precisa sobre a vida quanto esta. É inspirador! Eu posso perguntar só mais uma coisa?
- Diga senhorita Hiyori. – Manisha põe uma mecha do cabelo atrás da orelha.
- O que é esse brasão no broche do seu quimono? – ela aponta para o desenho de um aro com asas, cercando um coração, onde dentro dele há um lago de onde emerge o sol entre duas setas, direcionadas uma para cima e outra para baixo.
- Bem... É proteção, acima de tudo. O aro com asas que permite ao coração uma liberdade repentina, enquanto o protege dos bons e maus desejos da mente humana. Eles surgem de repente, saindo do lago tranquilo da consciência humana, e se movem como setas certeiras contra a luz ou a favor dela, a luz da clareza.
- Puxa... Todos esses símbolos têm significados bem profundos.
- Sim, eles têm, mas não se trata apenas de interpretar os sinais, Yukine. É sempre mais importante compreender o significado, seja qual for. Se você puder entender como chegou à interpretação que teve, pode compará-la à mensagem real do sinal visto. Você entenderá o transmissor da mensagem e se entenderá, principalmente. Assim vai poder ver o mundo pelos olhos das outras pessoas, e aceitar mais a fundo quem é de verdade. Todos são únicos, e quando cada um percebe o que possui de especial entre os detalhes comuns de cada comunidade é possível redirecionar seus desejos.
Terminada esta explicação, todos se viram ao corredor à esquerda da entrada, que também está de acordo com a posição dos convidados, quando escutam passos rápidos.
- Madrinha, viu as minhas presilhas de cabelo...? – a moça se interrompe ainda na entrada da sala, ficando paralisada ao ver os presentes.
- Acácia, felizmente apareceu! Queríamos apresenta-la! – sua madrinha direciona a mão – Estes convidados são nossos amigos, alguns já de muito tempo. – a garota nem respira direito de nervosismo, e vendo isso seu padrinho limpa a garganta para chamar sua atenção, então ela pisca rapidamente e se curva.
- Desculpem... É um prazer conhecê-los. Meu nome é Acácia. – ao retornar para a posição natural, seus olhos se encontram com os de Yukine e ambos se reconhecem.
- Você...? Você é aquela garota...! – Acácia fica assustada e recua um passo.
- Que garota Yukine-kun? – Hiyori pergunta e ele se volta aos outros.
- Ela é a garota que eu vi na floresta aquele dia!
- “Na floresta”? – Preetish franze o cenho, assim como a esposa.
- Não, eu não o conheço! Ele deve ter me confundido com outra pessoa!
- Não minta Acácia! – Manisha a fita seriamente, fazendo-a recuar de novo – Que estava fazendo na floresta? Você nos desobedeceu novamente.
- Ah... Talvez eu tenha me confundido. Estava escuro, então...
- Não tente defende-la, Yukine. – o deus do amor interrompe – Saiu sem a nossa permissão outra vez, Acácia. Sabe que pode ser pega por um Ayakashi.
- Eu só queria respirar um pouco de ar fresco e estava perto de casa!
- Nós pedimos que você não saia para seu próprio bem, mas se não pode obedecer a isso então talvez seja melhor a trancarmos dentro do quarto.
- Não podem fazer isso! Eu não sou sua Shinki, posso fazer o que eu quiser!
- Se acha realmente que consegue se virar sozinha lá fora pode tentar.
- Querido... – antes que a deusa da mente e do desejo contenha o aborrecimento de seu marido, a jovem sai correndo de volta para seu quarto com ar de choro – Acácia! – ela não escuta e some tão rápido quanto surgiu, deixando a situação tensa – Desculpem por isso. Devíamos ter conversado com ela mais tarde.
- Não me olhe assim! Foi melhor agora, para que ela fique envergonhada e não se arrisque andando sozinha por aí de novo!
- Mas eu não quero que ela perca a coragem de ver o mundo, Preetish. – ele bufa nervoso em resposta, tentando se acalmar, e enquanto isso ela se volta aos demais – Não esperava que isso acontecesse tão cedo...
- Então você sabia que ela ia nos desobedecer?
- Ela é uma menina, Preetish, o que você esperava?! Além disso, muitos espíritos gostam de tê-la por perto, por isso Acácia se sente confortável para sair.
- Sinto muito. Eu não queria causar nenhum problema.
- Não é sua culpa Yukine. – a mulher sorri – Acácia cometeu um erro. Ah... Por causa dessa discussão eu não pude entregar a ela o galho de cerejeira que pediu para seu quarto. – diz ao segurar o ramo numa das mãos.
- Eu entrego pra ela! – a regalia loira se candidata ao levantar.
- Verdade? – a anfitriã olha para o companheiro, que acena positivamente – Tudo bem então, obrigada. Se você seguir por este corredor encontrará nosso quarto na última porta; passe por ele e vá para a varanda. No topo da primeira escada você verá um torii na frente de uma árvore. Como a passagem está selada, precisará de permissão para dar continuidade. – ela entrega o galho com as flores na mão direita dele e segura-a entre as suas por um tempo, soltando após um brilho marcar as costas dela – Pronto.
- O que é isso? – Yato questiona curioso, vendo o mesmo símbolo do brasão no broche de Manisha – É alguma marca especial?
- A que nos representa. – Preetish comenta, mostrando a parte detrás da faixa do seu quimono onde reside a mesma imagem – Com ela você pode atravessar a barreira que fizemos na entrada do quarto da Acácia.
- Por que selaram a passagem? É para os Ayakashis não entrarem?
- Sim senhorita Hiyori, e também qualquer outra pessoa que queira lhe fazer mal.
- Vocês se preocupam bastante com essa menina, mas ela parece difícil de lidar.
- Felizmente nós temos paciência, Tenjin. Quer dizer, Preetish na maior parte das vezes. – seu marido a encara torcendo o nariz, no que alguns seguram as risadas – Acha que precisa de ajuda para ir até lá, Yukine?
- Não, tudo bem. Eu vi o portal da entrada, sei onde fica. Com licença. – ele faz uma reverência e sai andando na direção indicada.
- Esse menino Yukine tem a mesma idade da Acácia?
- Sim. – seu mestre responde à deusa – Quer dizer, talvez ele seja mais velho um pouco... Olhe, sei que não devia me meter nos problemas de vocês, mas entendo como é lidar com uma criança complicada como ela. Yukine era do mesmo jeito antes.
- É mesmo? – o deus do amor sorri curioso – E o que fez para muda-lo?
- Ah... Na verdade nada. Acho que se tiver de dizer uma coisa... Eu acreditei nele. – ninguém fala nada por alguns segundos, deixando-o um pouco nervoso.
- Acreditou nele... Interessante. Então ele fez muitas coisas ruins?
- Sim. – os outros confirmam ao mesmo tempo, excerto Bishamon.
- E isso aconteceu mesmo depois de transformá-lo em seu Shinki?
- Sim. – o mesmo grupo responde novamente.
- Mas você não se livrou dele?! – Preetish pergunta retoricamente, achando graça do silêncio desta vez, e com firmeza no olhar Yato confirma acenando – Bom... Então o fato dele ser um Instrumento Abençoado faz todo sentido agora.
- É impressionante o que uma pessoa pode fazer quando alguém, nem que seja um só indivíduo, acredita nela. Não acham? – a feliz Manisha pende a cabeça para o lado.
Enquanto isso, Yukine já chegou ao portal vermelho na frente da árvore oca que é o acesso principal para o quarto isolado de Acácia. Ele toma fôlego, apertando nas mãos o galho de cerejeira, e com um olhar determinado anda até passar pela barreira. Risonho por ter atravessado o empecilho, ele prossegue subindo a última escadaria e enfim chega ao topo. Parando para respirar, o loiro bate na porta da entrada e não escuta resposta.
Percebendo que ela está destrancada, atreve-se a entrar cautelosamente. Nem sinal da moça em lugar algum. Só aí ele percebe que este cômodo grande na verdade não é o quarto dela e sim um conjunto de ambientes caseiros. Há uma ampla sala, uma cozinha bem organizada, um banheiro luxuoso, e enquanto se admira e fica com inveja pelo belo cenário o Shinki nota outra escada na varanda. Ela é circular e muito comprida.
Tomando coragem, o rapaz sobe, rodando outro tronco de árvore, e alcança o final dos degraus quase rastejando. Com a respiração pesada, fica um pouco amedrontado por estar tão alto. Quando ele se recupera, vê duas cortinas brancas enroladas nos pilares da cobertura inicial e uma janela dupla ao lado dela. Finalmente avista Acácia, sentada na cadeira de frente para sua penteadeira e olhando-se no espelho melancolicamente.
- Ah... Com licença. – ao vê-lo, ela se levanta assustada – Não fuja, por favor! Eu só vim trazer isto! – o jovem estende o ramo embrulhado na sua direção, esperando que o segure, e assim a garota o faz depois de alguns segundos.
- Obrigada. Foi minha madrinha que pediu para você trazer?
- Eu me ofereci. – ele sorri corado, deixando-a um tanto surpresa.
- Oh... Obrigada então. – ela deposita o arranjo num vaso sobre a escrivaninha – Você estava na floresta aquele dia... Qual o seu nome?
- Yukine. Eu sou Shinki do deus Yato. Você não sabe quem é, mas ele é legal.
A moça resmunga em resposta, desviando o olhar para a luminária psicodélica em cima do criado-mudo de mogno perto da cama, vibrando em amarelo. Rapidamente suas lembranças sobre o sonho que teve quase um mês atrás retornam. Suas pupilas dilatam ao fitar o loiro: ele estava lá. No sonho, ele estendia a mão e chamava seu nome.
- Algum problema? – Acácia abre a boca na tentativa de dizer algo.
- Não... – ela limpa a garganta – Mas acho melhor você ir embora.
- Ah... Certo. – ele se vira constrangido – Desculpe te incomodar... Ah, e desculpe por ter falado que te vi na floresta! Não sabia que causaria problemas.
- Tudo bem. – a garota acena ansiosa e o espera sair, percebendo que prendeu sua respiração até então e finalmente a soltando.
Olhando da sacada, espera pacientemente até ver todos os convidados saírem do templo na companhia de Preetish e Manisha. A turma conversa qualquer coisa e sorri de forma aberta. Em dado momento, Yukine se constrange por algo e Hiyori põe as mãos em seus ombros, enquanto Yato a aproxima de si com uma palma e bagunça os cabelos dele com a outra. Esta é a famíliaque viu em seu sonho... Onde não há espaço para si.
- Por que estou tão nervosa? – pensa consigo mesma – Eu não me encaixo ali.
Continua...
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