A Dona do Pedaço

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Os Desejos

Cap. 3
Os Desejos


Após um mês de procura pelos famosos e sumidos Deuses da Fortuna, Preetish, o deus do amor, e Manisha, a deusa da mente e do desejo, Hiyori, os deuses e os Shinkis estão numa enorme clareira, mais magnífica do que a achada por Yukine acidentalmente no meio da Floresta das Almas dias atrás. Neste recanto escondido a luminescência está presente como não acontece em todo o restante da densa região.
As borboletas já não são amarelas; irradiam uma luz azul e deixam um rastro de pó para trás. Uma límpida lagoa de água doce corre do centro para fora das trilhas mais iluminadas da floresta. Majestosas árvores se estendem ao céu e seus troncos fortes dão sustendo a um maravilhoso templo vermelho separado pelas ramificações. As flores das mais variadas cores, que brotam nos galhos, enfeitam as escadarias sem corrimão.
No primeiro patim da escada central há um toriie perto dele um batente servindo de pedestal para uma casa de madeira decorada com arranjos florais. Seu telhado se abre e mostra uma edificação semelhante a uma igreja envernizada, onde no topo encontram-se um grosso círculo de aço com uma imagem gravada e dois afilados e longos blocos carmesins, que servem de suporte para um aro brilhante como as borboletas.
Dentro dele, vários papeizinhos rosados estão atados, formando asas de pássaros. Atrás do anel, um grande cartaz azul, amarrado num galho acima, diz a quem pertence o território. Depois do segundo lance da escada principal, no topo reina o belo pagode que abre as portas do templo para os corredores dos outros cômodos. Ao lado de uma das pequenas casas existe uma escadaria ligada a outras duas, sendo a de cima menor.
O acesso é restrito ao interior de uma árvore oca, localizada de frente para a trilha de entrada. A passagem é vedada com pergaminhos, pendurados por cordas de palha de arroz trançadas ou grudados no tronco. Eles são diferentes do encontrado na rocha da caverna onde os deuses da fortuna estiveram trancados e tem o intuito de afastar pessoas ao invés de prender alguém. Outro portal marca o começo do curso.
Isso significa que ninguém pode passar excerto se for autorizado e o seu caminho exclusivo determina uma conexão especial entre os vãos. Pássaros e animais terrestres de pequeno porte, além de alguns cervos, se alimentam pelos arredores.

- Eu estou confusa. Isso é um templo budista ou um santuário xintoísta?
- Preetish e Manisha não fazem diferença quanto a isso, Hiyori-chan. Eles aceitam todos, independente de religião, poder aquisitivo ou qualquer outra coisa.
- Eles parecem maravilhosos demais segundo consta, Tenjin.
- Que posso fazer Bishamon? Você também reconhecerá sua força quando os vir.
- Bem, eu posso dizer que isto é realmente incrível. – Kazuma diz fascinado.
- É verdade. – Daikoku concorda – Eu gostaria de ter vindo aqui antes.
- Este lugar é demais! Não acha Ya... POR QUE VOCÊ ESTÁ CHORANDO? – o grito de Yukine leva todos a encararem seu mestre.
- EU QUERO UM TEMPLO ASSIM! – ele começa a chorar, colocando a cabeça entre as pernas – POR QUE EU NASCI POBRE, POR QUÊ? – a maioria simplesmente ignora seu típico escândalo, enquanto os bichos o encaram atentamente, então Hiyori se aproxima e passa a mão nas costas dele.
- Tudo bem, você vai ter um belo templo algum dia. Só precisa continuar lutando.
- Hiyori! – ele a abraça ainda fungando e volta a abrir o berreiro, agora sendo bem analisado por todos até que sua regalia lhe puxa pela camisa para longe da moça.
- Já chega! Está fazendo papel de ridículo, fique de pé!
- Mas...! – os choramingos de protesto são interrompidos por uma risada.

Na frente do grupo surge uma belíssima mulher de longos e lisos cabelos negros, com profundos olhos verdes em tom escuro, pele clara e corpo esbelto. No topo da sua cabeça tem hortênsias azuis à direita, urzes lilás à esquerda e uma tiara dourada ligada por uma esmeralda no meio, além de três conjuntos de fivelas na tonalidade de ouro e dois mínimos lenços esverdeados com presilhas de laços, um em cada mecha na frente.
Seu quimono estilo sacerdotisa possui uma saia plissada aberta em A no lugar da calça, com tecidos coloridos como um arco-íris, e um imenso broche segurando a peça. O brasão é de um aro com asas, cercando um coração. Dentro dele há um lago, de onde emerge o sol entre duas setas apontando uma para cima e outra para baixo. Sobre seus braços recai um fino manto azul com desenhos de ramos dentro de círculos.
Atrás de suas costas, variadas flores rosadas e alguns galhos de plantas enfeitam o laço da roupa. Ela carrega nas mãos um ramo com flores de cerejeira, decorado por uma fita azul atada na ponta e embrulhado em papel branco, preso com outra fita, sendo cor carmim. O ar a sua volta parece respeitável meramente por seu sorriso caloroso. Tenjin, Tsuyu, Kofuku e Daikoku a reverenciam, para a surpresa dos demais, e ela retribui.

- Olá Manisha. – o deus da aprendizagem cumprimenta.
- Como vai Tenjin. – a jovem mulher estreita os olhos – Está mais velho.
- Bem, você não me vê há centenas de anos. Seria natural eu ter envelhecido.
- Mas eu sempre disse que só depende de nós mantermos a juventude ou a velhice do nosso espírito, não é?! Você se descuidou. Em mais de um sentido... – ele engole a seco e sorri sem graça, fazendo a companheira suspirar – Linda como sempre, Tsuyu.
- Obrigada Manisha-sama. – ela faz outra rápida reverência.
- Kofuku, Daikoku. Como está o relacionamento de vocês?
- Muito bem! – a deusa abraça seu companheiro, fazendo-o enrubescer e coçar sua cabeça, também com um sorriso envergonhado.
- Fico contente. E trouxeram convidados para a visita. – Manisha encara os outros, que começam a ficar tensos – Estão com medo de mim?
- Não! – Yato responde tentando disfarçar o nervosismo – De jeito nenhum! Por que teríamos? Nossos amigos falaram muito bem de você.
- Que bom. Eu fico feliz que ainda tenham se lembrando de mim, mesmo depois de ficar longe tanto tempo. Preetish e eu nos preocupamos quanto a isso.
- Ah, seria difícil esquecê-los! – Daikoku ri – Preetish-sama está aqui?
- Sim, no nosso quarto. Ele ficará contente em revê-los também. Estávamos muito ansiosos para encontrá-los e conhecer os demais.
- Nós também! Temos muitas perguntas pra fazer. Ah, me deixa apresentar todos que você ainda não conhece! Estes aqui são a Bisha e o Kazu-chan!
- É Kazuma. – ele mesmo corrige, corado pela proximidade com a serelepe deusa da pobreza, e sobe os óculos com dois dedos.
- E estes aqui são o Yatinho, o Yukine-kun e a Hiyorin!
- Yato e Hiyori. – o casal diz ao mesmo tempo, então a dona do templo cobre sua boca quando dá um risinho e sorri mais amavelmente.
- Vocês são pessoas interessantes. Por favor, sintam-se todos à vontade. São bem-vindos à nossa casa. – ela se curva e vira – Acompanhem-me. Vamos tomar um chá.

O grupo a segue. Antes de subirem o segundo lance da escadaria, uma parcela dos visitantes para e admira o santuário enfeitado. Hiyori toma a iniciativa de comentar.

- Seu santuário é muito bonito. – Manisha para de andar e se vira em cima de um degrau para encará-la – É cheio de cores e símbolos.
- Obrigada. Fico feliz que tenha apreciado. – a moça se aproxima pra ver de perto.
- Para que serve tudo isso? – a deusa vai para o lado do altar.
- Deixe-me explicar... Você vê estes símbolos no topo da primeira construção e no da segunda? – a jovem e alguns outros acenam afirmativamente – A cruz na casa, que se encontra no centro deste losango nebuloso, representa veneração ou sacrifício de acordo com os desejos obscuros das nossas mentes. Às vezes nos deixamos levar por coisas que são ruins, permitimos sua entrada em nossa cabeça e o domínio dos nossos pensamentos mesmo se não merecerem, e outras vezes nos sacrificamos para manter coisas boas por perto ou até para afastá-las, apenas visando restaurar o equilíbrio por estarmos confusos.
- Não sei se entendi muito bem. – Hiyori confessa corada e rindo.
- Pense desta forma... Você já deve ter realizado coisas boas para alguém que não merecia sua ajuda, somente por querer a felicidade de outra pessoa. – a ouvinte ruboriza mais com suas memórias e o sorriso de Manisha aumenta – E creio que também já veio a ceder pela crueldade na fragilidade humana; qualquer palavra ou ação impulsiva que a irritou. Isso é natural, é aceitável até certo ponto, mas nós devemos manter nossa casa, a nossa mente, em ordem para seguir em frente. Este é o símbolo dos empecilhos da vida.
- Deu pra entender agora. – Yato responde no lugar da amiga.
- Bem... A imagem no topo do edifício é um círculo com oito pequenas esferas na extremidade toda. Ele foi pintando com este efeito de tecido para simbolizar o ciclo da vida. Todos têm sua vida bordada, mas vários caminhos para seguir até encontrar o final da história que viverá antes da próxima. São oito caminhos possíveis, porque existem só oito tipos de maneiras de se viver. Você pode buscar: amor, paixão, amizade, sabedoria, coragem, bondade, humildade e honestidade. Depois de escolher seu caminho, pode sair da trilha, porém nunca regredir. Se fizer isso, transformará qualidades em defeitos e seu destino será alterado para força-lo a confrontar as consequências de suas escolhas. Nem todos conseguem completar a trilha, então precisam refazer o percurso, contudo não tem necessidade ser na próxima encarnação. Pode ser na seguinte. O importante é completar o ciclo e adquirir todos os atributos para alcançar a plena experiência de vida.
- E quando se completa o ciclo, o que acontece? – Yukine pergunta.
- Esta pessoa ganha o direito de viver uma vida especial, zelando por outras vidas. Vocês veem este círculo de aço? – Manisha toca a peça sobre o pequeno edifício – Ele contém a imagem do tear que tece a linha da vida, conectando os atributos e as pessoas para todos encontrarem seu destino. Quem maneja o tear são os deuses.
- Estava com a sensação de que diria isso. – Tenjin sorri, sacudindo o seu leque.
- A linha circula o tear e se conecta por duas pontas, cada uma representando uma alma. Quando essas almas alcançam a conexão, seus atributos adquiridos começam a ser compartilhados e seus caminhos também, então elas trilham um só percurso até o fim.
- Quer dizer... – Hiyori pende a cabeça para o lado, raciocinando – Quando duas almas gêmeas se encontram, essas pessoas podem adquirir mais facilmente os atributos necessários para completar o ciclo da vida em comparação à dificuldade que seria se as duas tentassem seguir caminhos diferentes e conquista-los sozinhas?!
- Isso. Na verdade é simples. Bons sentimentos geram bons sentimentos, e coisas ruins atraem coisas ruins. O amor é o atributo mais fácil de ser compartilhado, e não só com sua alma gêmea. Embora os deuses cuidem do tear que tece a linha da vida, digo de forma simbólica, eles também estão sujeitos a sofrerem consequências de suas boas ou más escolhas na vida abençoada, dada de presente por mãos divinas. Se regredirmos na trilha especial que traçamos, também podemos ser forçados a recomeçar do zero para ir coletando todos os atributos novamente, até completar o ciclo.
- É um pouco confuso, mas dá pra entender. – Daikoku olha para o alegre Yukine.
- E este aro de luz? – Bishamonten se aproxima – Estes papéis estão pendurados no galho bifurcado de cerejeira dentro dele.
- Ah, este é nosso Anel das Orações. Aqui são depositados os desejos valiosos de pessoas que pedem nossa orientação divina. Nossas borboletas buscam na cidade pelas orações mais necessitadas e, se julgarem os transmissores delas como merecedores, elas nos trazem as mensagens. Escrevemos nossas orientações num papel e o colocamos no nosso Anel das Orações, para que as borboletas levem todos.
- E elas entregam diretamente para as pessoas? – Kazuma ergue uma sobrancelha.
- Bem... Digamos que as respostas chegam sempre, seja de um jeito ou de outro. – a deusa sorri misteriosamente, fechando os olhos por alguns segundos e logo reabrindo – Enfim, esta é a imagem moldada em nosso templo. Se todos que acreditam no nosso apoio puderem compreender o valor de manter a mente em ordem contra os obstáculos da vida, para completar o ciclo predestinado, então nossa missão estará terminada. Mas, é claro, ainda há um longo caminho pela frente para Preetish e eu. Então, vamos?

Todos acenam em acordo e seguem até o pagode, adentrando o primeiro cômodo. A sala é ampla, limpa e bela. Ela é enfeitada em tons suaves de amarelo e verde e com móveis simples, pintados nos diferentes tipos de bege. Mal eles chegam, uma borboleta azul aparece na porta e logo se transforma numa linda mulher com um quimono de cor igual. Ela se dirige para a cozinha e em pouco tempo retorna trazendo uma bandeja.
Após servir o chá e os quitutes, Manisha lhe pede para avisar ao marido que seus convidados chegaram. A jovem faz uma reverência e se retira.

- Essas borboletas por acaso trabalham pra vocês? – Yato questiona.
- Não exatamente. Temos espíritos da natureza apoiando nossa causa, apenas isso. Nós oferecemos proteção na Floresta das Almas e eles retribuem nos ajudando. É uma simples troca com benefícios para ambos os lados. Somos gratos pela sua colaboração.
- Os outros nos disseram que vocês nunca fizeram contrato com Shinkis.
- Isso está certo, senhorita Bishamonten. Preetish e eu temos força suficiente para dar conta de nossos problemas... E de outras interferências.
- Refere-se ao incidente envolvendo seu desaparecimento? – as deusas se encaram e a anfitriã acaba depositando sua xícara no pires sobre a mesa.
- Pode ser um exemplo. Aquele dia foi muito conturbado.
- Eu me lembro de ter convidado os dois para tomar um chá no meu templo.
- Sim, caro Tenjin. Nós estávamos a caminho, mas fomos pegos de surpresa pelo ataque covarde de um deus específico, que utilizou Ayakashis para nos cercar e lacrar dentro daquela caverna perto do seu templo antes de conseguirmos revidar.
- E quem fez isso? – ele pergunta estreitando os olhos, fazendo-a suspirar.
- Eu não sei dizer com certeza. Estava escuro, seu rosto estava coberto pelo manto dos Deuses do Céu. Não posso afirmar que ele faz parte do grupo, porém teve o apoio deles, estou certa. Todos já estavam fartos de Preetish e de mim. Paciência... Mas agora que estamos livres, uma coisa eu garanto: quando acharmos o culpado, ele vai sofrer!

Continua...

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