quarta-feira, 15 de abril de 2015
Cap. 3
Cap. 3
Deixe-me perguntar uma coisa... Se alguém confidenciasse a você um segredo ou dissesse algo muito ruim e te pedisse para não contar a ninguém, poderia fazer isso? Ter o segredo de outra pessoa é muito sério e por isso mesmo é importante escolher bem seu grupo de amigos, ou mesmo um que seja. Esse melhor amigo pode ser um grande aliado ou o maior inimigo da sua vida, dependendo dos obstáculos no caminho.
Eu acredito que uma boa amizade nasce do mesmo princípio do amor; os dois são muito dependentes da confiança. Ela começa quando há respeito entre duas pessoas, e o destino cuida de testar a relação ao longo da vida. Bom para aqueles que conseguem dar o melhor de si pelo outro, arriscando tudo. Eu arrisquei bastante também... Doeu apenas quando percebi a fragilidade dessa aposta, porque as fichas foram jogadas no escuro.
...
Mesmo sendo amiga próxima de Nicolas por alguns anos, Belinda nem ao menos havia conhecido sua família, apenas a de Kimi. Naquela situação, o melhor a fazer seria se basear na personalidade dele para tentar agir de acordo com o território. Ela se armou pensando num campo de batalha, esperando não pisar em uma mina escondida no chão, e terminou surpresa quando foi recepcionada tão amigavelmente.
A mãe do rapaz era como uma modelo de capa de revista: glamorosa, bonita, com o corpo em forma e extremamente jovem. Podia ser facilmente confundida como a irmã mais velha dos homens mais novos da casa, e na verdade se fosse assim não sobraria um adulto classificado pelos títulos de “pai” ou “mãe” no recinto. Isso porque o seu marido, pai de Nicolas e do filho caçula, Leandro, também parecia juvenil e muito viril.
Diego Draco, naquele ambiente auspicioso e festivo, se assemelhava a um lobo de certa idade, abençoando o primogênito da sua alcateia com grande expectativa de ver os genes gerarem uma futura boa linhagem na descendência da família. Ele retinha orgulho dos seus cabelos quase grisalhos, dizendo que eles eram sinal de vivência, e os olhos cor da terra molhada brilhavam a cada palavra trocada com a esposa Lara.
Ali estava uma relação de puro respeito e afeto. Belinda só não soube distinguir o tipo de proximidade dos dois na hora. Não que realmente estivesse interessada, afinal, a família dele jamais se uniria a dela! Mesmo assim, chamou sua atenção o fato de que as mãos da mulher estavam constantemente ocupadas em agradá-lo, desde arrumando seus fios para trás com toques delicados até colocando açúcar na xícara de café dele.
Ela então se recordou de uma das suas histórias de menina, quando a mãe pregou-lhe um susto narrando o encontro de Chapeuzinho com o seu Lobo Mal. Claro, primeiro ouviu a versão comum do conto e depois, como de costume, a alterada pela matriarca. O final que preferiu, também de praxe, foi o dela, pois ao invés de uma garotinha indefesa caçando borboletas na floresta e assustada por um lobo, havia uma adolescente linda.
Chapeuzinho não era ingênua, e o animal tomava a forma de um belo rapaz jovem e atraente, que muito embora a amasse certamente ainda planejava devorá-la. Por certo, Belinda só veio entender o duplo sentido da sentença anos mais tarde. Observando com atenção aos pais de Nicolas naquele instante, sentada no sofá e bebendo suco enquanto a conversa era desenrolada pelo amigo Enzo, notou que a relação deles parecia diferente.
Eles tinham um misto das duas histórias. Diego realmente poderia ser o lobo, e no charme dos cabelos castanhos claros se curvando sobre os olhos mais escuros, Lara nem poderia ser sujeita a negação de uma versão morena da companheira de capuz vermelho. Os dois confiavam um no outro, e isso se esclarecia a cada carinho dele pelo ombro dela quando o diálogo entre o grupo chegava a uma pergunta que a esposa respondia antes.
O afagar de leve era a forma simples de comunicação muda, uma confirmação pra esclarecer que a opinião do marido encaixava com a da amada. Mesmo assim, Belinda o considerou duvidoso, especialmente quando Nicolas veio a confidenciar sua desatenção com os papéis do cartório pelos quais tinha ficado responsável de entregar preenchidos. O semblante de Diego mudara radicalmente, da água para o vinho, em segundos.
- Como você não se esquece de coisas fúteis e acaba relaxando sobre isso?
- Eu devo ter posto os papéis em uma pasta separada dos nossos documentos, mas vou procurar! Quando achar, levo tudo para o cartório logo de manhã cedo.
- É bom mesmo! Você precisa ser mais responsável com seus deveres Nicolas!
“Mais responsável”? Belinda suspeitou que o homem não tivesse acompanhado os progressos de seu filho no colégio. Nicolas elaborava projetos e excursões para a turma ganhar pontos extras, apontava erros dos professores nas provas, sempre tirava as notas mais altas e certamente frequentava a biblioteca com muito mais vontade do que outros alunos. Se isso não era ser responsável, como poderia ser definido?
Belinda ficou parada por um tempo, escutando perguntas e reclamações uma atrás da outra sendo jogadas da boca do pai incomodado pelo atraso das tarefas cerimoniais, e quase soltou uma blasfêmia. Isso seria novidade para os antigos amigos, e um susto pros adultos, mas ela se acostumara aos xingamentos depois de escutá-los com frequência, se sujeitando a eles apenas na necessidade de aliviar tensões e longe dos ouvidos paternos.
- Com licença... – no momento, a situação pedia uma retirada estratégica – Eu não quero incomodar, mas preciso muito ir ao banheiro.
- Claro, querida, é no fim do corredor. – Lara a indicou o caminho e ela agradeceu antes de sair quase correndo dali, pouco ligando se ririam dela ou a achariam estranha.
A moça jogou água no rosto e passou alguns minutos se olhando no espelho, indo aos poucos tomando mais fôlego. Depois saiu devagar em direção à sala, mas parou no caminho quando viu uma porta aberta. Era o quarto do pequeno Leandro, o fofo e gentil irmãozinho do qual Nicolas sempre falara com muito orgulho e ternura. Belinda parou à beira da entrada e ficou observando o menino de oito anos guardando seus brinquedos.
Ele parecia chateado, e pelo que se lembrava de ouvir do amado os dois sempre se divertiam quando estavam juntos. Nesse dia, ao entrar na casa, só o tinha visto por trás da mãe por um instante e em seguida havia sumido. Estava claro que não queria receber as visitas, mas tinha sido obrigado. Ela se sentiu motivada a perguntar a razão daquelas sobrancelhas franzidas e o bico na cara, então sorriu e entrou no cômodo sem convite.
- Oi. – Leandro se virou assustado, mas tentou disfarçar ao vê-la dobrar os joelhos ao seu lado para ficar mais perto da sua altura – Eu sou a Belinda.
- Eu sei. – ele respondeu simplesmente e isso a surpreendeu – Meu irmão vive me falando de você. – logo ela estava parecendo um tomate fresco de vergonha.
- É mesmo? – e pigarreou antes de continuar – Por que está aqui sozinho?
- Eu não gosto de ficar na sala quando eles estão falando do casamento.
- Isso te aborrece? – o menino balançou a cabeça em confirmação – Por quê?
- Eu não quero que o meu irmão vá embora.
Belinda podia dizer que entendia aquele pensamento. O pai dela vivia dizendo que o dia do seu casamento seria o mais feliz e o mais triste da vida dele, pois mesmo contra sua vontade teria de aprender a dividi-la com outro homem. Ela sorriu com graça e viu o rosto do garoto se contrair em curiosidade. Ele era uma cópia fiel de Nicolas, apenas em tamanho menor, e a moça pensou se na despedida deveria parabenizar os pais dos dois.
Seus filhos, além de lindos, eram educados e gentis, mesmo sendo acanhados.
- Mesmo quando o seu irmão casar, não quer dizer que tudo vai mudar. Ele será o seu melhor amigo para sempre, fique tranquilo.
- Mas ele vai passar todo o tempo com aquela garota. – Belinda sentou no chão.
- Você não gosta da Kimi? – Leandro torceu o nariz, fazendo círculos com o dedo no tapete sobre onde os poucos brinquedos ainda estavam espalhados.
- Ela é legal, mas... Às vezes ela quer me levar pra sair e eu não quero, mas eu vou porque meus pais dizem que a gente precisa se dar bem.
- Entendo... – e ela realmente sabia como ele se sentia – Kimi pode ser sufocante a maior parte do tempo, contudo tenho certeza de que ela só quer te conhecer melhor.
- E tem que ser o tempo todo? – o menino a olhou com súplica e impaciência, com aparência de quem ia espernear, e isso a fez rir.
- Quer saber, a Kimi é uma antiga amiga minha e eu também não gostava quando ela me arrastava para sair o tempo todo. A gente se divertia, mas... – Belinda suspirou – Às vezes eu só queria conversar e pensar um pouquinho.
- Por que você não disse que queria ficar sozinha?
- Bem... Porque na verdade eu não queria. Ela sempre parecia animada na hora de me convidar, então eu não conseguia negar nada. Mas às vezes era bom, porque fazia eu me esquecer das coisas ruins, mesmo que por pouco tempo.
- Ah... – o garotinho abaixou a cabeça com ar pensativo, fazendo-a rir de novo.
- Dê uma chance pra Kimi. – ele reergueu os olhos e voltou a fazer um bico.
- Então, eu vou tentar ser mais legal com ela.
- Bom. – Belinda encarou a bagunça perto das mãos e fez uma careta – Quer ajuda para guardar tudo? – Leandro concordou e os dois começaram a arrumação.
Enquanto estavam distraídos, nenhum dos dois notou quando Nicolas apareceu na entrada e começou a observar a cena sorrindo de ponta a ponta das orelhas. Ele recostou a esquerda do corpo no portal e cruzou os braços, colando a testa na madeira. Ficou ali e nem foi notado por uns segundos, até Enzo surgir no corredor e se esgueirar curioso pra perto dele. Quando viu o que o atraíra para lá, abriu um sorriso malicioso.
Belinda gostaria de saber que o amado certamente retribuía seus sentimentos, com fácil leitura comportamental inclusive, pois quem mais se sujeitaria a passar tanto tempo olhando quase duas crianças conversando enquanto arrumam brinquedos num baú?
- Ora... – Enzo propositalmente falou perto do rapaz para assustá-lo, e conseguiu o feito sem chamar a atenção dos outros – Não é uma cena encantadora?
- Ah... Eu só vim ver por que a Belinda estava demorando e...!
- Sim, eu ouvi quando Kimi te pediu para procura-la. Não vai chamar ela?
- Claro. – Nicolas demorou a se mexer, e nisso o sorriso do outro aumentou.
- Talvez devêssemos deixar esses dois conversando um pouco mais. – Enzo coçou o nariz – A Bel não gosta muito de ficar perto de outras pessoas.
- Mas eu pensei que vocês trabalhavam com publicidade.
- Sim, ela pode conversar normalmente no trabalho, mas quando é pra se divertir... – o rapaz fez uma careta – É outra história. Ela não se sente confortável junto de pessoas muito animadas. Com certeza foi por isso que resolveu ficar aqui com seu irmão.
- Faz sentido... – Nicolas sorriu, olhando os dois de novo – Leo sempre foge para o quarto quando Kimi aparece. Belinda fazia muito isso.
- Acho que é porque a intensidade dela assusta um pouco.
- Você não ficou intimidado. – o noivo olhou de banda o sorridente padrinho.
- Pois é... Eu sou acostumado a lidar com gente assim. Acho que ela é divertida.
- É verdade. – ambos se calaram um momento e logo Enzo resolveu cutuca-lo.
- Foi por isso que resolveu se casar com ela? – Nicolas o encarou seriamente e os olhos do colega não recuaram em nenhum instante – Disse que queriam “tentar”.
- Estamos indo muito bem por enquanto. – limitou-se a responder.
- O que isso quer dizer? Parece a resposta de alguém com dúvidas.
- E você parece muito interessado nesse assunto.
- Oh, desculpe se te ofendi. Só queria saber mais sobre o casal de quem eu serei o padrinho. – o noivo se virou e suspirou pesado.
- Então pode tirar suas dúvidas com a Belinda.
Enzo esperou Nicolas sair antes e olhou uma última vez sua amiga risonha ao lado do pequeno Leandro, logo voltando para a sala. O interesse dele pelos noivos ia além da boa vontade em ajudar Belinda. Tinha um interesse particular envolvido ali, porém, não poderia se dar ao luxo de pisar naquela área sem conhecer o campo. Assim, tal qual sua amiga fizera, ele começou a se preparar para invadir o terreno com muita munição.
Enquanto isso, o filho mais novo da família Draco ria das reclamações da parceira de limpeza, esfregando o rosto sujo pela tinta guache na bochecha e nos cabelos. Aquele pote a atingira de surpresa ao cair da estante e felizmente os estragos eram mínimos, não impedindo o pequeno Leo de dar boas gargalhadas ainda assim. Ele pegou uma toalha e a lavou na pia do seu banheiro, passando de leve nas pontas dos fios da moça.
- Você é mais bonita do que o meu irmão disse. – a jovem voltou a corar.
- Verdade? – ele acenou sorrindo – Obrigada... O seu irmão fala tanto assim sobre mim? Quer dizer, eu sou só uma amiga antiga dele. Acho que nem isso mais... – a breve tristeza nos olhos dela chamou a atenção do menino e, do jeitinho simples e sincero que toda criança tem, ele revelou algo com um significado além da sua imaginação.
- Ele gosta de você! – Belinda caiu sobre o tapete com o susto das palavras – Meu irmão nunca quis que você sumisse. Por que parou de falar com ele?
- Por quê? Eu... – ela não sabia como responder àquilo e gaguejou até formar uma frase completa – Sabe quando eu disse que precisava ficar sozinha? Então... Eu parei de falar com a minha amiga Kimi e com o Nicolas também, mas foi melhor pra eles.
- Não foi! Meu irmão ficou muito triste quando você trocou de celular e parou de falar com ele. O Nick ficou vários dias visitando o parque, te esperando. – a jovem nem pôde conter um arrepio na espinha, capaz de fazê-la tremer inteira, e olhou com pupilas dilatadas em choque para o garoto – Você nunca mais apareceu lá, então ele continuou a namorar sua amiga. – Belinda piscou várias vezes e se curvou sobre o menino.
- Espera um pouco Leandro, está me dizendo que o Nicolas só ficou com Kimi... – ela balançou a cabeça, rindo incredulamente e olhando o chão ao falar consigo mesma – Não, não pode...! Eles começaram aquele namoro quando ainda estávamos na escola. O Nicolas nunca me disse nada, a menos... – sua face se voltou ao da criança – Leandro...
- Pode me chamar de Leo. – o menino sorriu e recebeu um aceno positivo.
- Leo, certo...! Diz pra mim, seu irmão conversava muito com seus pais?
- Não. Ele sempre falou mais comigo e com você.
- Sei... – Belinda pôs as mãos sobre o rosto, respirando fundo – Você sabe dessas vezes em que a gente conversou no parque então.
- Sei. – a resposta imediata a alarmou e ela segurou os ombros dele – O que foi?
- Leo, promete pra mim que você não vai contar para ninguém sobre isso! Essas... Conversas que seu irmão e eu tínhamos sozinhos no parque, não diga nada!
- Tudo bem. – o garoto concordou um pouco assustado, então logo a moça livrou-o do aperto – Nick me pedia a mesma coisa quando falava disso.
- Então eu devo estar certa... – Leandro fez uma careta de incompreensão – Nada. Venha, vamos voltar para a sala, se não alguém vai vir nos procurar logo.
Continua...
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