quarta-feira, 15 de abril de 2015
Cap. 2
Cap. 2
Ei, você sabe por que o céu fica com tons de dourado quando o sol se põe? Bem, provavelmente muitas pessoas poderiam responder a essa pergunta com uma explicação científica, ou simplesmente usando perspectivas filosóficas, e logo tentarem se safar do questionamento seguinte de como conseguiram chegar a tal conclusão. É algo fácil, que acontece com frequência... Mas, se tratando de Belinda, tudo ganha uma nova visão.
Para ela, Deus disse ao sol que um dia nasceria alguém exatamente como Kimi na Terra, capaz de encher o mundo de luz com uns sorrisos carismáticos, e os seus cabelos reluziriam na mesma cor e intensidade que ele. O sol teve inveja dela, e por causa disso, até hoje, tenta ofusca-la pintando o céu com várias tonalidades de amarelo no entardecer e a cada amanhecer. (Risos) Belinda só não notava seu próprio brilho exterior e interior.
...
Quando Belinda aceitou ser a madrinha de Kimi, esperava no íntimo de seu ser as risadas de deboche e brincadeira que tanto se acostumara a escutar na época do colégio. A sua única escapatória seria ouvir da amiga de infância qualquer sinal de desdém, um mero soar de gargalhadas contidas, para indicar que tudo não passava de uma piada do mais terrível gosto. Infelizmente, não era bem assim. Kimi falava sério sobre o assunto.
Mesmo com uma alegria quase infantil, a jovem advogada promissora planejava o casamento dos seus sonhos incluindo Belinda em todas as atividades de preparação para a cerimônia, sem ao menos consulta-la sobre dias e horários. Ela seria obrigada a ajudar com os detalhes de uma união onde o noivo era seu amor secreto e maior confidente. As opções de saída não eram muitas, mas ainda havia uma chance de escapar quase ilesa.
Antes de Kimi desligar o seu telefone naquela noite, Belinda lhe propôs o auxilio especial do qual precisaria até o tão importante dia, sugerindo insistentemente as mãos divinas de um anjo com extrema benevolência muito conhecido por ela: Enzo. Sabendo que ele nunca se recusaria a salvá-la daquela situação constrangedora depois de ouvir os pormenores de sua vida conturbada do ensino médio, nem pensou duas vezes.
Ela poderia até ser a madrinha, contanto que o seu novo melhor amigo estivesse a dois passos de distância logo atrás para segurá-la ao menor sinal de desmaio mediante o maior erro, como acompanhante e, portanto, padrinho. Obviamente, Kimi teve reservas se tratando de um estranho, embora Belinda o elogiasse demasiadamente, então sugeriu um encontro duplo no seu restaurante favorito, um de frutos do mar e sushi à vontade.
Como era de se esperar, Enzo aceitou a proposta por dois motivos: a lembrança da mãe lhe dizendo que ajudar os outros é sempre uma forma de prestar compaixão e uma maneira simples de receber bênçãos em dobro, e a curiosidade. Sua curiosidade o levara a fazer muitas coisas impulsivas durante o pouco tempo de vida, como ser representante da turma do colégio por três anos seguidos, aprender a andar de skate e fazer faculdade.
Ele nunca se arrependera de nada, nem mesmo quando em sua última aventura nas terras pouco exploradas do relacionamento definitivo terminou sendo traído pela caloura do curso de publicidade; aquilo bem serviu para aprender a não se deixar atrair por belas e provocantes loiras com aura de inocência, pois aquela mulher havia merecido seu trote de iniciante. Mesmo assim, Enzo pensou duas vezes depois de responder à Belinda.
Ele nunca o fizera, e pela primeira vez se pegou refletindo: era por certo uma boa ideia concordar em ser padrinho de um casamento no qual não conhecia nem mesmo os noivos? Na verdade, o motivo de tal reflexão não foi outro além de Kimi Okilani. Todos pareceram sumir de vista quando Enzo bateu os olhos na noiva. De repente, levar quase cinco horas ajudando Belinda a escolher uma roupa em lojas do shopping valeu a pena.
O rapaz sabia a razão do nervosismo dela, e fora um dos motivos para aceitar suas responsabilidades no atual cargo assumido, contudo, ficou de fato tentado a reconsiderar seu apoio de forma inédita se qualquer um lhe propusesse livrá-lo do perfume de Kimi. O cheiro chegara às suas narinas com uma velocidade alucinante assim que fizeram um cumprimento formal no restaurante, e ele quase se esqueceu de estar num local público.
Por alguns segundos, Enzo quis puxar a cadeira para que ela sentasse ao seu lado, quando Nicolas já estava lá prestando esse serviço. Aquela noite prometia, pois mal fora anunciada às oito horas com o cessar dos badalos do relógio na entrada e ele sentia uma tontura igual à de quando experimentara pela primeira e última vez o peso de seis doses de rum. O aroma exalado pelos fios dourados da noiva em frente o estava embriagando.
A parte interessante é que Enzo não parecia se importar de ficar vivamente bêbado daquela vez, e ele sabia o quanto isso claramente poderia torna-lo um homem perigoso, especialmente porque, diante a distraída conversa entre o casal e sua madrinha, Kimi era o perfeito retrato de uma dama extrovertida e atraente da corte; italiana ou francesa, isso pouco importava. Ela poderia encantar a qualquer um.
Talvez, faltava-lhe berço e até outras besteiras convencionais da época, porém, de todo o resto ela dispunha com louvor. Na verdade, na dimensão do jovem publicitário, as exaltações do seu professor de história sobre as belas mulheres da nobreza em épocas antigas, onde o requinte era a chave da popularidade, não chegavam nem perto da figura encantadora diante de seus olhos naquele instante.
Os cabelos de Kimi, lindos fios lisos num tom dourado brilhante, corriam soltos e nivelados por seus ombros cobertos. Os olhos, verdes como esmeraldas lapidadas, viam tudo em volta com pressa e logo se voltavam aos presentes na mesa, atentos e ao mesmo tempo displicentes ao resto do mundo. Da sua pele, de uma cor clara que só as tâmaras frescas possuem, também emanava a fragrância de caramelo tão forte para Enzo.
Ela não se preocupava em expor o corpo como Belinda ainda se importava, mas a postura declarava certo recato da mesma forma. Seu modo de comer, rir e até soluçar só atiçava ainda mais os sentidos do jovem, tornando aquele jogo muito perigoso. Quando a conversa pareceu se centrar menos no casamento e mais na vida da amiga, Kimi mirou o novo melhor amigo dela com mais atenção e também engoliu a seco, como ele fizera.
O publicitário era apenas dois anos mais velho em relação a todos naquela mesa, e ainda assim parecia o mais novo. Enzo começou a falar sobre suas aventuras da vida e o plano para a faculdade traçado desde o início da jornada, e de repente a bela “princesa” de seu próprio mundo não conseguia mais tirar os olhos dele. Ela o vasculhou, do topo a metade do limite de visão pela parte escondida abaixo da mesa, e de repente ele a atraiu.
Enzo parecia o “homem perfeito” descrito por sua mãe, como Kimi imaginou, e as amigas que tinha na escola também concordavam com tal idealização. Alto, encorpado, pele corada e mãos... Suas mãos grandes chamaram a atenção dela, e por um instante se pegou a beira de uma cama, sentindo o toque daquelas mãos percorrerem seu corpo por trás. Ela se arrepiou diante da imaginação fértil, lhe cegando com imagens proibidas.
Era uma mulher comprometida, que estava num restaurante escolhido a dedo para discutir sua relação com o próprio noivo diante da amiga de infância e um desconhecido até então! Como poderia se dar ao luxo de desejar aquilo? Mas então, logo Enzo não era mais um desconhecido. De quase em quase, transformou-se mais e mais num homem de classificação facilmente descrita por “atrativo fatal”. Ele, certamente, poderia mata-la.
Com aqueles cabelos escuros como a noite, pouco maiores do que os de Nicolas, o aborrecendo pela tamanha rebeldia de taparem sua visão, sua vontade era procurar uma tesoura para cortar um dedo daquela franja e deixa-la do tamanho da de Belinda. Assim, aquelas íris de tom âmbar saltariam mais facilmente a vista de qualquer um, exaltando a beleza já proeminente dele apenas pelo carisma a incrível capacidade de dialogar.
Enzo podia falar sobre qualquer coisa, assim como o “príncipe” declarado em seus territórios, mas lidava com os assuntos de um ponto de vista animado, tal qual ela. Kimi sorriu inconscientemente, e os outros poderiam achar que foi pela piada recente do lindo rapaz, contudo só a moça entendia a verdadeira razão: à sua frente estava uma versão de si mesma melhorada, como uma perfeita mistura dela e de seu noivo.
Assim Belinda o escolhera, pela natureza conveniente em seu momento de maior necessidade. Logo, o assunto estava novamente voltado a ela e os ânimos pareceram um tanto leves depois de um tempo.
- Como você não tem um namorado ainda Belinda? Desde o colégio?
- Não precisa expor isso a todos, Kimi. – a moça abaixou a voz.
- Desculpe. Mas alguma coisa tem de errado nisso!
- Eu não vejo mal algum Kimi. – Nicolas falou com um claro alívio pela notícia, e por isso mesmo tentando ao máximo esconder um sorriso – Não precisa ter tanta pressa Belinda, escolha o seu companheiro no tempo certo. – a jovem maneou a cabeça como o voto de acordo e sorriu de leve, por dentro se perguntando por que ainda se incomodava com as opiniões dele mesmo depois de tanto tempo sem vê-lo.
- E para você nosso casamento foi decidido às pressas? – o rapaz demorou a falar, embora já tivesse a resposta na ponta da língua e uma sobressalente também.
- Conosco é diferente. – Nicolas sorriu de canto e olhou para a noiva – Nós vimos uma oportunidade de tentar fazer com que as coisas fossem diferentes duas vezes, antes do começo do nosso namoro e agora, mas apenas porque nos conhecemos há um longo tempo. Decidimos tentar para ver se dava certo. – ele tomou um gole do seu champanhe – Só por isso. – e finalizou como se quisesse explicar isso a alguém.
- E deu! – Kimi respondeu como se fosse óbvio – É isso que estou falando Bel, as horas estão passando! Precisa ser mais decidida, antes que vire uma velha maluca como a minha avó Laina! Ela sempre teve uma mania estranha de apostar com os vizinhos em que número do calendário cairia o dia da morte dos seus gatos, e depois de um morrer lá estava vovó no pet shop comprando um gato novo. Hoje ela vive num asilo.
- Por que está me contando essa história? O que isso tem a ver?
- Não sei, mas minha avó também não tinha namorado. Arranje logo um antes que eu faça isso no seu lugar! – Belinda sorriu de forma incrédula.
- As coisas sempre foram fáceis de resolver pra você, não é Kimi?
- Ora Bel, minha mãe sempre me disse: “a vida não é complicada, as pessoas que a complicam”. – Enzo acabou rindo da resposta.
- A minha diz que “a vida é como uma eterna prova de matemática: se todos seus problemas estão fáceis demais de se resolver, alguma coisa está errada”. – o quarteto riu com real graça, e ignorando a aparente atração magnética que sentia, Kimi decidiu algo.
- Enzo é engraçado. Vocês parecem ter afinidade, por que não tentam namorar?
- Não arranjaremos ninguém até nos estabilizarmos. – Belinda respondeu antes.
- Trabalho primeiro. Nós dois temos a mesma opinião sobre isso. – ele concordou.
- Oh... Mas isso não conta como um ponto em comum? Vejam...
- Já chega Kimi! – Nicolas pediu um tanto nervoso, suspirando antes de continuar – Deixe os dois em paz, eles não querem falar sobre esse assunto.
- Está bem, desculpe. Você tem razão, eu sinto muito.
- Tudo bem. – Enzo sorriu – Então... Será que eu passei no teste de padrinho?
- Ah... Sim. – a noiva acenou com a cabeça – Por mim tudo certo. Nick?
- Por mim também. Obrigado por aceitar nos ajudar. – eles apertaram as mãos.
- Não é nada. Eu faço qualquer coisa que a Bel queira mesmo.
A moça sorriu constrangida, embora já acostumada aquele tratamento, mas para o casal de antigos amigos era uma visão diferente da que estavam habituados. A garota na época da escola, que era escorraçada pelos colegas por ser inteligente e ter a preferência dos professores e a admiração de outros pais, não era a mesma à sua frente no momento. Era uma nova Belinda desconhecida, mais atraente e desinibida.
Ela mal ligava para o fato do apelido ter provido da boca de outra pessoa além de Kimi, e ria abertamente de forma desconcertada de algo que seria considerado um flerte. De todos os ângulos, aquele parecia um ótimo casal. E, sem que soubessem disso um do outro, Nicolas e Kimi tinham a mesma opinião sobre o assunto: aquilo não parecia bom.
- Então... Terminamos por aqui. – a noiva sorriu e se levantou, incentivando todos a fazerem o mesmo – Já pagamos a conta, então vamos caminhando até nossos carros.
- Eu estacionei a duas quadras daqui. – Enzo relatou – E vocês?
- Talvez nossos carros estejam perto um do outro então. – Nicolas simplificou sua resposta e os quatro andaram, posteriormente parando um casal de frente ao outro.
- Seu carro é lindo! – o amigo de Belinda passou a mão no capô da BMW azul do mais recente conhecido, recebendo um sorriso de agradecimento.
- Nick trabalha como ortopedista agora e economizou muito para compra-lo. – sua companheira explicou, sem realmente parecer dar valor ao assunto.
- Foi um bom investimento. Talvez eu compre um desses quando puder, mas do jeito que adoro trilhas seria difícil manobrar.
- E qual o seu carro? – o colega perguntou, se surpreendendo ao vê-lo se afastar da entrada de passageiros para Belinda abrir a porta do jipe Troller prateado.
- Eu moro próximo ao mar e a Bel logo perto, então na hora de trabalhar podemos ir juntos. Eu pego ela e levo de volta todos os dias. – Nicolas apertou com força a chave do carro, destravando e travando novamente as portas pelo alarme enquanto sorria como quem não queria nada, porém, dessa vez, não havia conseguido disfarçar o nervosismo.
- Legal... – ele olhou de banda para Belinda, vendo-a entrar no jipe e bater a porta tentando não encará-lo, o que só tornava tudo mais tentador – Então, vamos?
- Claro. – Kimi concordou, desconfiada pela repentina pressa, todavia, sorriu bem amigavelmente ao se despedir – Nós nos veremos amanhã para a prova de bolos, não se esqueça disso Bel! – a jovem levantou o polegar, ansiosa para sair dali, mas estava com os nervos sobre controle ainda – Novamente, foi um prazer conhecê-lo Enzo.
- Acredite, o prazer foi todo meu. – a voz macia e ao mesmo tempo firme dele fez os pelos dos braços da moça se arrepiarem, entretanto ela soube fingir direito – Garanto que as oito em ponto eu estarei na porta da casa da Belinda, tocando a campainha!
- É o que espero. Agradeço por isso. – os dois riram, e inesperadamente tiveram a atenção chamada ao mesmo tempo pelo som das buzinas nos dois carros – Tchau.
- Boa noite. – Enzo respondeu, ainda aguardando cinco segundos para vê-la ir.
No caminho para casa, quando Kimi perguntou a Nicolas por que ele havia ficado nervoso quando Enzo informara que pegava Belinda para irem trabalhar todos os dias, a resposta dele foi evasiva com a desculpa de ter “escorregado” o dedo, segurando demais o alarme. Mal sua noiva e a própria musa que guardava na mente sabiam do turbilhão de emoções acontecendo no peito dele naquele momento.
Para ele, pouco importava o amarelo dos cabelos de Kimi que parecia com os tons do entardecer. Sua cor favorita era o azul do amanhecer na linha do horizonte, que tanto lembravam os olhos da verdadeira amada. Na vez de Belinda e Enzo conversarem, por breves segundos, ele não fez perguntas, apenas afirmações. Nem era preciso. Ele sabia o que Belinda sentia. O silêncio era confortável e assim preferiu mantê-lo ao máximo.
- Mas sabe que quando os preparativos do casamento iniciarem, não haverá volta.
- Eu sei... – a moça suspirou, colando a testa no vidro – E é melhor que não haja.
Continua...
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